Primeiro Workshop do Escrevivendo

Primeiro Workshop do Escrevivendo
Foi com sucesso que a Casa Das Rosas apresentou o workshop sobre o projeto Escrevivendo. Quem foi, adorou!

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Impressões de Bastidores sobre o Evento

Parabéns a todos!
O recado foi dado e...recebido!

Tanto o módulo Seres Imaginários, quanto o workshop, foram mais um aprendizado em minha vida e uma confirmação de que sempre dá para crescer, melhorar, evoluir. Gostei da experiência de ajudante de mediadora no Seres Imaginários. Sinto muito não poder continuar, por enquanto.

Vivendo e aprendendo a jogar.
Nem sempre ganhando,
Nem sempre perdendo,
Mas...aprendendo a jogar...

O evento, por ordem de apresentação:

Professora Neide:Só ao ouvi-la, percebi que ela seria estrela do dia. Mesmo percebendo a importância do discurso, tive de levantar a plaquinha implacável do tempo, pois tínhamos um programa a cumprir. O fato de termos tido boa margem de tempo na hora dos debates deu oportunidade para a professora falar mais, o que foi muito importante.

Fred:Nessa segunda fala eu não ousaria interferir no tempo. Felizmente, ele não se estendeu demais, comunicador que é ( e sabe disso) abrilhantou o seminário. Juntar muitos professores, misturar com poetas e salpicar com os que, revelamente ou não, gostam de um palco é uma tarefa delicada.Fred deu seu recado de maneira simpática e descontraída, criando um clima mais informal ao evento e validando a importância da inovação que o projeto representa.

Karen:Com sua naturalidade e capacidade de improvisar, cortou sua própria fala que acabou acontecendo brilhantemente no final. Sendo assim, deixou bem claro o que é o escrevivendo. Durante o seminário, Karen participou 100% imbuída no espírito do Escrevivendo, dando oportunidade a quem quisesse expor suas idéias, mediando, completando, instruindo. Democrática, sempre.

Mafuane:O Chaveiroeiro foi emocionante, seu tom de voz, sua linguagem corporal preenchem o ambiente e as pessoas entram em outra dimensão. Gosto das aberturas inesperadas e acho que foi isso que aconteceu com a contação de história, um toque de arte. Na sua vez, Mafuane deu seu recado claramente, e no tempo certo, fazendo conexões com a história oral, os blogs, a infoeducação e o escrevivendo. O fato de ser contadora de história traz ao projetoum toque lúdico presencial . Ao apresentar com segurança o aspecto da blogagem, acrescenta modernidade e desperta interesse.

Loreta:Tem uma presença firme, "inabalável" e demonstra o quanto se compromete com o Escrevivendo. Passou uma parte teórica com leveza, as fotos no power point transmitem um pouco do espírito do projeto, foi bem clara na sua mensagem, profissional. Usou muito bem o tempo. Transmite calma e segurança.

Gabi:Gabriela tem uma característica que resume como ela é em sala de aula, como se apresentou, o que me faz concluir que seja um forte traço de sua personalidade: quando ela diz uma frase, o faz com tanta clareza que, do começo ao fim, as palavras saem, uma depois da outra, sem nenhuma jaça, lindas, leves, soltas, diretamente ao ponto em que foram dirigidas. Consegue transmitir os conceitos com firmeza e clareza. O exemplo dos bilhetes passados na sala de aula foi muito providencial.

Livia:Sua apresentação passou autoconfiança e certeza de que esse é o caminho. Também usou bem o tempo, sem dar a impressão de que estava preocupada com isso. exlicou com objetividade e amarrou as idéias. Demonstrou também, como as demais, a importância que dá à missão de mediadora.

A dinâmica dos 5 ou 10 livros da sua vida, com Karen, foi apropriada, deu para sentir a energia das pessoas conversando, trocando suas experiências. Mesmo os mais aparentemente fechados, fizeram sua listinha.

Bruna, Roberto e Neuza:São os veteranos, as pedras do templo, o exemplo de que a coisa dá certo mesmo. Todos tem anos de experiência , são inteligentes, informais e perceptivos. E isso não é qualquer coisa não! Deram um toque de descontração e veracidade, testemunhos sinceros, como é o Escrevivendo.

Con, Luiz e Do Carmo:Também foram benvindos e prestigiaram a ocasião.

Jessica:A jovem escrevivente foi linda e a presença dela foi fundamental tendo em vista o fato de que a maioria ali presente trabalha com jovens. Karen aproveitou o gancho para falar da inibição de escrever, foi perfeito.

Neuza: descontraída, jovem, comunicativa, Neuzita já é celebridade. Conhecida por andar com seu pendrive no pescoço, virou blogueira consagrada! Demais!

Para encerrar, comento que terminamos um pouco adiantadas no horário, não tivemos aquela sensação desagradável das pessoas saindo no meio. Tive a impressão de que as pessoas queriam mais, estavam lá atentas até o final. Certamente o próximo será melhor ainda e o terceiro, então, nem se fala! Parabéns a todas, lindas, inteligentes, preparadas, cheias de amor para dar. Foi muito bom fazer parte do time.

Até a próxima,
bedjos
san

Zibelina

A Dama Onipresente - Pedro Clash

O QUE É OU QUEM É: A Ausência

Sua forma, cor, peso e humor diferem para cada momento.
Veste-se de mulher, toma forma de dinheiro, tem a importância da tranqüilidade, de inspiração, de risos e até de mim mesmo. Embora também tenha cheiro, cor, forma de solidão, tristeza, irritação e preguiça.
Filha do desejo e da necessidade. Sempre aparece quando seus pais passam para uma visita. Tem inúmeros parentes, como o ócio, a solidão e a euforia.
Às vezes traz bons fluídos, às vezes irrita, às vezes causa inércia. Mas sempre aparece, e quando isso ocorre, mesmo que discretamente, ela é percebida, sentida. E transforma, e provoca.
Anda lado a lado em minha vida pronta para sentar-se mesmo sem ser convidada.
Adora crises, sejam elas financeiras, emocionais ou espirituais. Também comparece em festas, casamentos e comemorações. Age no silêncio, mas costuma causar bastante barulho.


ZIBELINA

Zibelina não é bem uma companheira. Também não é uma convidada. Mas ela sempre aparece, sempre está por perto e não está.
Costuma trocar de roupa, de forma, de cor, de cheiro e de importância de um instante para outro.
Apesar de incomoda inúmeras vezes é bastante pertinente, tanto que sem ela não vivo. E aí ela está vestida de morte. Assusta, mas enquanto está nela não está em mim.
Nesta semana adorou me provocar. Durante os dias se coloriu de desperto e quando a noite, então, ia matar o sono ela o roubava e me deixava noites em claro. E claro que pela manhã eu estava tão irritado enquanto ela desfilava com minha camiseta calmaria.
Estou sempre tentando despistá-la, por vezes até a esqueço, mas Zibelina é perspicaz, persistente, sabe ser discreta e persuasiva quando quer. Tem uma capacidade de se diluir a ponto de há muito tomar forma de dinheiro, ter a importância do que traz dinheiro, o trabalho, e cheirar uma quietude saborosa. Enquanto inquieto eu passo os dias, sem dinheiro no bolso e pouco trabalho a me ocupar. Que peso hein?
Ultimamente nossa relação tem sido assim. E nem posso dizer que a culpa é dela ou que nunca é generosa.
Domingo à noite, por exemplo, estava muito feliz, me divertindo, cantando no show do Radiohead e em meio a 30 mil pessoas lá estava ela, apertadinha ao meu lado, como um balão, totalmente cheia de tristeza, ranço e calada. Vestindo a carapuça para manter aquela felicidade que me acometia.
Pensando bem, não dá para dizer que Zibelina é tendenciosa. Ela é uma dama muito equilibrada, tem dosagens para todos os tipos de sentimentos. E o excesso de cada um tem mais a ver com a forma como me sinto, quais as minhas necessidades e desejos.
Ela não manda em nada, apenas interage e responde. Ainda assim tem uma força e independência tremenda. Quando se enche de coragem me dá um medo danado.
E Zibelina é boa, boa demais quando fecha a cara num mau humor e me deixa risos e leveza. Quando exausta pára para descansar e me enche de energia.
O fato é que a percebo mais quando me rouba do que quando me dá. Quando me rouba, o que sobra é saudade, intranquilidade, bolsos vazios, solidão, é a promessa não cumprida, o desejo não realizado. Mas quando me dá, ah quando me dá! É a noite dormida, o abraço apertado, o desejo saciado, o sorriso, o grito de gol.
Dinheiro? Bom, dinheiro já fica mais difícil. Nem Zibelina conseguiu se esquivar da crise econômica.


PEDROCLASH 27/03/2009.

Amiox

Nara Abdallah – 03/04/09

Seres Imaginários
Nome: Amiox
O que é: O lado obscuro de cada um
Do que se alimenta: Das misérias humanas.

Amiox nasce das fraquezas humanas. Mora no nosso subúrbio interno, faz parte da nossa periferia de emoções. Vive a espreita, à procura de um devaneio. Amiox vive dentro de cada um de nós, se alimenta quando falta espontaneidade, toma forma quando nos sentimos inadequados. Almeja por um momento de insegurança. Amiox não tem fé na vida.

Apesar de todos os defeitos atribuídos a ele, tem uma personalidade sedutora, e sempre aparece quando resolvemos lidar com o mais fácil, com situações que não exijam esforço. É um amante da preguiça e do comodismo, é dele a velha máxima, “Deixa a vida me levar”.

Amiox cria argumentos contundentes para ficarmos exatamente onde estamos, e é um expert em elaborar raciocínios perfeitos e coerentes quando a situação não faz mais sentido algum. A idéia, o plano, é mortificar as pessoas em vida.

Nas relações do trabalho aparece quando estamos na freqüência do “corpo mole”. Amiox vê os mais dedicados como rivais e não como instrumentos de superação.

Caminha sempre pelos excessos, transita pelos sete pecados. É ligado nos pequenos vícios comportamentais, adora um cigarro para mascarar o que sente, e se entope de doces e comidas para anestesiar o corpo.

Nas relações afetivas Amiox pode nascer da calmaria e também do conflito. Nos pega desprevenidos quando estamos a procura de definições. Mesmo tendo recursos optamos pela infelicidade. Ele é a falta de coragem de recomeçar ou de seguir em frente.

Nas relações sociais se instala nas nossas corrupções, nos nossos pactos, valoriza as miudezas que nos impedem de crescer. Ele aparece quando o ego infla.

AMIOX

Ele já não suportava mais a história na qual estava inserido, era pesado demais se relacionar todos os dias com as escolhas que não tinha feito. Escolhas feitas não pelo seu “Eu” consciente. Na maior parte do tempo, quem ditava as regras era o seu Amiox.

Casou sem saber se era isso que queria, trabalhava em uma profissão que não fazia sentido, se envolvia socialmente com pessoas superficiais, a família foi a única coisa que de fato não teve como escolher.

Ele precisava ter coragem para viver o que nunca havia se permitido, passou a maior parte do tempo como um coadjuvante de sua própria vida, se escondendo atrás de discursos moralistas. Vivia sempre ocupado com os outros, não por altruísmo, mas por falta de coragem de olhar para si mesmo.

Amiox o deixou distante do que fazia sentido, inverteu seus valores. Incutiu nele a idéia de que para ser feliz é necessário ter. Em qualquer crise, lá estava seu súdito, dominado, gastando o que não tinha, se produzindo para estar sempre bem, com a embalagem de acordo com o cenário inserido.

No fundo ele sempre soube do que era necessário cuidar. Os lampejos de
lucidez que o acometia, aconteciam quando Amiox adormecia, e ele se aquietava. Nesses
momentos passava a enxergar a sua história com mais clareza e compreendia que estava na contramão daquilo que buscava.

Um dia ele resolveu que Amiox não acordaria mais. A consciência não veio assim de repente, de súbito, mas por meio de um vazio sem fim, e que nenhum dos subterfúgios utilizados por ele antes (e que surtira efeito em momentos de crise), acalmaria desta vez.
Era sua alma gritando, era a vida cobrando seu preço, era o olho que queria enxergar e revelar a ele, o que de fato era a realidade, era o xeque-mate.

Ele optou por viver, viver em vida, viver a saúde, não quis mais a doença. Aprendeu a respeitar seu Amiox, que permanece adormecido, pois só com a consciência de sua importância pode mantê-lo assim. Ele sabe que não pode mais baixar a guarda, compreende melhor o lado obscuro que conviveu com ele durante tantos anos. O desleixo, a submissão e a banalidade era o que regia, e agora sabe que precisa ter disciplina, espiritualidade e daqui para frente trabalhar pesado.

Enquanto seu Amiox permanece adormecido, sua vida é mais real, intensa e completa.

A Dama Rosada

A DAMA ROSADA - DoCarmo

Patrícia é uma jovem garota recém formada em Ciências Biológicas e veio morar sozinha em São Paulo com o objetivo de especializar-se em algum ramo da biologia, mas ainda não se definiu. Essa mudança radical em, deixar a casa paterna e viver distante e só em outra cidade, fez-se necessária em decorrência da aprovação em concurso para trabalhar em um grande laboratório.
Desde muito pequena já se notava seus comportamentos determinados, conscientes de suas vontades, senhora de suas decisões e defensora de suas idéias e crenças. Ela demonstrava incredulidade jocosa nas histórias, lendas, contos, fábulas e mitos infantis onde tudo sempre termina bem, uma vez que contam com a intervenção de Fadas Madrinhas, Duendes, Anjinhos e um enorme elenco de seres imaginários criados para o enlevo das crianças. Mas Patrícia dizia-se consciente da realidade: todo acontecimento tem uma causa que produz um efeito e conseqüentemente uma reação provocando um final..
Atualmente mora em um apartamento pequeno, mantido em absoluta ordem. A decoração é bem singela: algumas poltronas com almofadas de suave colorido, pouquíssimos móveis, cortinas muito leves; em seu quarto, além da cama e de um armário com portas espelhadas nas faces esternas, tem uma mesinha em estilo Luiz XV enfeitada com uma caixinha de jóias e uma bonequinha de porcelana representando uma dama no mesmo estilo da mesa, – Dama Rosada – como ela a chama.
Essa é nossa protagonista: racional e objetiva
Em um fim de tarde de um dia tórrido de verão, eis que Patrícia chega extenuada pelo trabalho e transpirada pelo calor, aspirando por um tépido banho, mas ao entrar em seu apartamento apenas consegue jogar-se na cama, de sandálias e bolsa ainda no braço e adormece, sem prestar atenção a uma das portas do armário que estava entreaberta tornando visível o espaço debaixo da cama.
Patrícia adormece profundamente. Começa a sonhar e como num passe de mágica sente-se possuída por uma força estranha que a faz levitar e dirigir-se involuntariamente para cima da mesinha ao lado da Dama Rosada.
Sem questionar ou admirar-se desse fenômeno, ela simplesmente aguarda por instruções, como de vezes anteriores, acontecidas em momentos de dificuldades ou aflições.
- Patrícia, diz a Dama Rosada, você não notou a porta do armário entreaberta que eu estrategicamente deixei para você ver que debaixo de sua cama está um homem, um ladrão escondido?
- Não, minha protetora, estou tão cansada que não tirei as sandálias sequer, só pensei em deitar-me e descansar.
- E com isso fui obrigada a fazê-la adormecer e trazê-la até minha mesinha.
- O que devo fazer?
- Deixe comigo, volte para seu corpo e deixe-me tomá-lo.
“ - Ai, ai, não consigo dormir, minha fome é mais forte do que meu cansaço. Vou levantar-me, telefonar para a pizzaria da avenida e enquanto espero a pizza chegar vou fazer um suco de laranja.
“ Patrícia ‘ levanta-se, espreguiça-se tira as sandálias, coloca a bolsa no armário, deixa a porta aberta, encaminha-se para a janela escancarando-a e vagarosamente sai do quarto, pega o telefone, senta-se em uma poltrona e inicia uma ligação. Nota um movimento do ladrão, talvez ele tencionava sair pela janela, mas vê sua esperança frustrar-se, pois, sapeca como é a Dama Rosada que está incorporada na Patrícia, volta e cantarolando remexe na bolsa sem parar, balbuciando coisas sem nexo o que faz o bandido remexer-se de ansiedade no seu esconderijo. Calmamente volta para a sala, e recomeça a discar. Para. Descansa o telefone na poltrona. Novamente volta para o quarto.Começa a conversar sozinha e diz que vai convidar uma amiga para dividir a pizza com ela, mas sente dúvidas nessa escolha, todas são queridas amigas. Desiste, pensa e raciocina: se comer sozinha sobrará para amanhã. Ótimo, resolvido. Retoma o telefone, disca e faz o pedido, “conversa em voz sussurrada”, e retorna ao quarto dirigindo-se à janela. Novo remexer do ladrão. Nesse momento Patrícia, a Dama Rosada, concentra-se nele e o faz dormir profundamente.
Ouve-se o frear de carros, alvoroço na entrada do prédio, elevador parando – soa estridente a campainha da porta.
Patrícia com passos rápidos chega até a porta e deixa entrar os policiais que se encaminham para o quarto gritando voz de prisão.
Assustado o rapaz acorda sendo puxado pelo braço e sem resistência deixa-se algemar resmungando impropérios à Patrícia, que com olhares brejeiros diz adeus ao bandido acenando com a mão.
Tão logo ela fecha a porta com todos os ferrolhos que tem direito, retorna ao quarto, deita-se e novamente mergulha no sono ou sonho fantástico sentindo a seu lado a Dama Rosada que sorridente lhe pergunta :
- Ainda afirma que sou um ser imaginário?

Krakosh

KRAKOSH - Ceres de Almeida

Helena leu o conto a alunos. O personagem foi com ela a casa. Quarenta anos, namorava Ruben, músico. Sentou-se na varanda, naquele fim de tarde de abril. Rabiscou aquele ser, imaginando-o diante dela. Ouviu um farfalhar de folhas de alguma árvore. O gato miou, pedindo atenção. Helena deitou-se no sofá, cobriu-se com uma colcha leve de patchwork, presente da filha. Fechou os olhos querendo conhecer melhor sua criatura. Cinza. Delineou-se uma figura. Sentiu o gato aconchegar-se no espaço entre os pés e o sofá. Colocara o fone na secretária eletrônica; o porteiro já entregara a correspondência do dia. Com o vizinho viajando, nada de ruídos que a interrompessem.
Pensamentos saltavam: “lavar algumas peças de roupa, panelas sujas na cozinha, ruído de carros na rua. Voltou à cor cinza sem forma. Viu-se dentro dela, a grande velocidade. Tudo se tornou amarelo. Deserto. Dunas, contornos arredondados. Vento em redemoinho levantando areia. “O vento move montanhas!” Lembrou-se das citações bíblicas, sobre mover montanhas pela fé, algo mágico em sua fantasia infantil. -“ Move-se montanha aos poucos! ” Ia de momentos de imaginação solta aos pensamentos habituais. Levantou-se, lavou a louça, preparou roupa para ser lavada. Seguia um ritual conhecido.
“-Os ventos modificam o relevo de dunas mudando-as de lugar. Modela rochas pela fricção da poeira de areia que lança em sua direção”. Juntava elementos, cozendo-os num todo, como a manta de patchwork. Recordou-se de esculturas naturais exóticas dos arcos rochosos em Utah. As cortinas balançaram com a brisa e Mingau escondeu-se embaixo do sofá.
Dera a ele o nome de Krakosh, sem pensar. O som lembrava rocha que se quebra, talvez pelo trabalho erosivo do vento. Rocha leve, desfeita em partículas, montanha que se move no ar. Leu novamente o conto.
“Krakosh parece ser feito de rocha, dizem que é filho da terra com o ar. Da mãe herdou o corpo, não é grande nem pequeno, nem alto nem baixo. Do pai, o jeito de flutuar de lá para cá e para acolá. Krakosh tem a leveza da pluma e a força da rocha. Parece um galho de árvore antiga, delgado, que se abre numa pequena copa de galhos mais finos. Em cada ponta destas partes tem uma espécie de circunferência colorida, dizem ser herança do Arco-Íris, parece pedra preciosa , brilhante e facetada. São olhos de Krakosh. Dizem também que pode enxergar de dia e de noite. Mas o que vê é um momento apenas, pois vive flutuando como o vento, sempre mudando de lugar. Visita muitas terras sem se deter em nenhuma. Dizem que traz sorte aos infelizes e desencantados, inspiração aos poetas.
Krakosh é cinza no corpo, com olhos coloridos. Quando passa por tormentas se confunde com a cor cinza dos temporais, com a neblina das manhãs de inverno, fica completamente invisível ao adormecer, no meio das chuvas, das brumas. Solta sons, que nascem do vento. Dizem que fala quando a brisa passa, ruge quando a ventania muda o rumo das nuvens. Nunca se viu um krakosh com outro krakosh. Dizem que eles se encontram no alto de altas montanhas, desconhecidas pelos humanos, ou em profundas cavernas. É quando param por séculos, alimentam-se das fontes e dos metais, para começarem nova jornada através das brisas e dos ventos. Em tempos de calmaria descansam em florestas ou no alto de algum edifício das cidades. Já foram confundidos com ovnis por olhos de camponeses, quase ocultos aos olhos das pessoas das grandes cidades, tão cheias de luzes e contradições. Dizem que se alguém silenciar o coração, poderá, quem sabe, ouvir o canto de um krakosh. E ouvindo, se encantará com o mais simples ato e fato. Dizem também que são capazes de mover montanhas, e que alguns profetas se inspiraram em seus poderes para criarem sermões de fé.”
Eram muitos reunidos naquele vale nas alturas. Eram um só, trama de dramas. Ali zuniam trocando sons, como se a voz das montanhas resolvesse contar tudo de séculos num só instante. A extremidade de seus corpos estava ligada a outras extremidades de outros corpos, os círculos coloridos com círculos coloridos, plugados. Uma imensa rede se formava no fundo cinzento. Criavam a Memória dos Acontecimentos Cambiantes, volátil e flúida como a própria natureza humana. Eram a rede. Receptores e transmissores incansáveis formavam e transformavam imagens visuais, sonoras, virtuais, na velocidade da luz. Nada era certo e nada era errado. Era, apenas. Imediatamente comunicado, drama de tramas, nem mais, nem menos que possibilidades quase infinitas de combinação de dados.
Deitada, Helena lembrava-se da conversa com Ruben a respeito da obra aberta. O convite a “fazer” a obra com o autor, pondo-a em movimento onde o risco atiça o traçado contínuo. Lembrou-se de Bartók, compositor húngaro, e os exercícios propostos: a posição dos dedos, tradicionalmente colocados numa certa sequência ao tocar as teclas de um piano, propositalmente deslocados a outra sequência, desfazendo hábito, abrindo nova combinação. Ruben admirava a capacidade de Bartók, de se libertar de tonalidades tradicionais, para voltar para elas em seguida. Aquela audácia, saber, ousar, querer, em suas várias combinações: ousar saber, querer ousar, saber ousar. A vida como obra aberta, dar espaço à ousadia da criação. Via-se repetindo pensamento conhecido. Em suas idas e vindas, queria ser tocada pelo novo.
No alto das montanhas, num ambiente cinzento, os krakosh continuavam o trabalho incessante de conexões. De vez em quando, muito de vez em quando havia mudança de posições, deslocamentos mais radicais. Um zunido contínuo fazia daquela atmosfera de trabalho, algo de efeito hipnótico. Alimentavam-se de água, minerais, oxigênio e substâncias que circulavam pela rede de corpos que se conectavam, num incessante jogo de troca de informações. Não tinham nome específico na tarefa de absorção-transmissão. Uma luz, muito tênue, muito de vez em quando, se anunciava timidamente entre as montanhas, prenúncio de mudança de posições, descanso, recolhimento, para que outras equipes entrassem em cena. Muitos deles estavam enfadados pela repetição dos mesmos circuitos, das mesmas informações, das imagens que teimavam em se repetir. Raramente algo novo se configurava. Circulavam por reinos, quase não eram vistos, iam com o vento das correntes. Dizem que encantavam poetas e desesperançados, anunciavam novas possibilidades aos exaustos. Eram considerados descendentes de Mercúrio, o deus mensageiro. Magos, talvez.
Helena foi à varanda, gostou da brisa de outono, deu ração ao gato, tomou um banho quente, entregou-se novamente à imaginação. Como era difícil sair da mesmice. Observava os movimentos da mente, mergulhada na correnteza de pensamentos recorrentes. Voltava a nadar até a margem, observadora de si. Quando afundava no rio de idéias e emoções de sempre, atolava-se em velhas histórias, e, sonâmbula, andava pelas ruas, dava aulas, fazia compras, conversava com as gentes. Era dificílimo despertar. Sabia-se sonhando acordada.
Viu-se num vale cinzento, cheio de volteios entre rochas e desfiladeiros maciços. Era pequena diante de tamanho volume. Caminhava com cuidado, atenta a cada passo. Um zumbido vinha detrás da rocha maior. Deu-se o rumo, acelerou-se o passo e o som. Veio a neblina, confundindo contornos. Algo roçou em sua cabeça. Uma espécie de casca de árvore, leve, cinza. Soltou-se no ar, como um pássaro a planar, desaparecendo na bruma.
Zumbido constante, monotonia cromática a absorviam por completo, impedindo qualquer movimento de pensamento que a tirasse do agora. Seguia o vôo dos estranhos gravetos, guiada pelo som que parecia aumentar a cada passada. Não conseguia articular idéias. Estava atenta, seguia em frente, sem por quê nem para quê. Começava a fazer parte daquilo tudo, estranha comunhão. Nem pensamento, nem propósito a guiavam. Ia com o vento, nada mais. A luz intensa eclipsava diferenças. Estava entre eles. Com este pensamento tudo se apagou. Escuridão total. Apenas o nada, sem som nem forma. Ela era nada. Era o som. Flutuava como pluma, imagens rodavam ao redor, tudo via, sem se deter em nada. Pairava sobre um ponto alto de um aglomerado de imagens que acreditava ser uma cidade. Seguia o vento, quase sem ser vista. Alguns poetas e desesperançados sentiam-se visitados pelo novo. Virou dunas, brumas, rodopiou em ventos de areia, desapareceu na chuva ao fechar seus inúmeros sensores. Do alto das montanhas mais altas seguia a luz circular, era tudo e nada, era som, imagem, escuridão. Dissolveu-se na luz despertando-se Helena, no meio da madrugada, com o miado do gato pedindo comida. Circulou mundos, pairando na atmosfera cinzenta do alto de sua cabeça, onde neurônios, desfazendo conexões, recolhiam-se para se alimentarem das fontes, dos metais, dos momentos sem sonho.

Sticses

ELIZABETH FERREIRA DOS SANTOS PAIVA E "STICSES”

Em 1977 não sei em que mês, foi quando encontrei “Sticses” pela primeira vez. Sentia-me tão perseguida; meu ritmo de vida era intenso, a todo o momento a certeza de que a vida valia muito pouco.
Em dado momento estava cercada de perigos e não havia chance de escapar com vida, e não sei se minha mente em busca de um refúgio apresentou-me “Sticses”: um jovem de aparência comum, bem mais alto que eu, magro, esbelto, cabelos loiros, olhos castanhos e penetrantes, não sei precisar ao certo a sua idade.
Ele se locomovia como a velocidade da luz, para ele não havia barreiras. Ele descia dos céus e voltava numa velocidade incrível ; seus pés não tocavam o chão. Ele falava comigo em pensamento, de sua boca não saía som algum, mas os seus olhos falavam tudo que seus lábios não diziam. Eu o entendia pelo pensamento.Ele aparece e me coloca na fenda de uma rocha, e me esconde dos inimigos. Sai à luta com vários deles e quando está por terminar a batalha, eu começo a gritar em busca de socorro, ele se desvencilha dos inimigos e me põe em lugar seguro.
Sticses não sei de onde ele era, e nem sei se havia mais seres como ele, porque eu só encontrei um Sticses.
Assim me senti segura pela primeira vez na minha vida. Que sensação maravilhosa! Sticses foi o único que proporcionou esta sensação.
Várias vezes ao dia ele me protegia; na verdade o dia todo a noite inteira. E era tão real Sticses que quando eu ficava triste e constantemente ficava, pois sentia uma solidão muito grande e um vazio maior ainda dentro de mim, a lembrança de Sticses me protegendo me consolava.
Pensava se ele realmente existia ou se a minha imaginação o criara... fato é que Sticses me acompanhou por muitos anos. Me perguntava o porquê ele estaria sempre me protegendo.. Quem lhe deu essa incumbência? Será que ele fazia isso de livre e espontânea vontade? O que ele queria de mim? Será que como me eram confiadas várias missões a dele era me proteger?
O que encantava nele era sua dedicação: arriscava-se a todo o momento por minha causa e, enquanto eu não fazia da vida um prêmio, ele começou a me ensinar o valor da vida, preservando-me. Ele me transmitia amizade,sinceridade, honestidade, fidelidade, dedicação, tudo o que eu não tinha... que eu só ouvi falar. Ele era correto e elegante em seus movimentos e ao mesmo tempo em que era um perfeito guerreiro, também era extremamente carinhoso, porque sempre que podia afagava meus cabelos.
Eu podia dormir agora, porque ele não descansava e cuidava de mim. Sempre atento e diligente. Aos poucos a vida por causa de Sticses foi tendo sentido e meu olhar em relação ao mundo mudou. Ele sabia se expressar na hora certa , no momento certo, perfeito.Ele não usava arma como eu mas, vencia todas as lutas. Isso me bastava. A vida ganhou sentido porque eu comecei a procurar por Sticses, dentro de mim a certeza de que ele não era imaginário eu o encontraria.



O GRANDE BAILE NA CASA DAS ROSAS-Elizabeth Ferreira dos Santos Paiva
Passaram 32 anos desde a primeira vez em que vi Sticses. A esperança de encontrá-lo aumentava. Claro que ele sempre estava por perto me protegendo, mas eu queria me aproximar dele. Num certo dia do mês de Abril, ecoou nos céus um som. Notas harmoniosas que encantavam trazendo uma leve sensação de bem estar e boas notícias.. Era o Homus Melodius anunciando um grande baile que seria realizado no dia 18 de abril na Casa das Rosas. Os convidados: os seres imaginários. Pensei: ”Será que os criadores dos seres também”? Eu não sabia. Meu coração encheu-se de esperança ao pensar na chance de me aproximar de Sticses. Sendo guerreiro, será que sabe dançar? Pode ser que, ele não fosse ao baile ou não ouvisse o som do convite. Ele era sempre atento, e estava sempre vigilante, e em todos esses anos não falei com ele apenas o entendia pelo pensamento.Quanta emoção! Vou encontrar Sticses, não só ele, mas outros seres também. Ouvi falar de uma Dama Rosada, Homus Melodius, Amiox, Akilah, Gororoba, Sentirilho, Os & Esses,Krakosh, Cavalheiro das Nuvens, Zibelina, e o mais importante dos seres D’us.
Vou procurar alguém que possa dar a informação sobre o baile e se eu tenho chance de ao menos chegar perto. Procurei então por duas mulheres muito simpáticas, e inteligentes: Karen e Sandra que orientavam as pessoas no “Escrevivendo”, na Casa das Rosas. Elas é que são responsáveis pelo aparecimento dos seres imaginários, eu precisava saber de detalhes: se eu podia ir, o traje, o horário. Pensei em todas as possibilidades de poder estar perto do Sticses.
Fui até a Casa das Rosas a procura de Karen e Sandra, e elas disseram que o baile ia ser no dia 18 de abril das 10h30 ás 13h30. Me informaram que foram convidados apenas os seres imaginários. Fiquei muito triste e expliquei a elas que esperava por Sticses há 32 anos. Ambas comovidas com o meu relato, disseram que eu poderia observar o baile à distância para que ,os seres imaginários ficassem a vontade. A presença dos criadores poderia restringir a liberdade , e escamotear virtudes importantes..
Fiquei radiante contando os minutos para o grande dia e o grande baile. A expectativa e mil perguntas: Que roupa usar? O que vestir? O que falar no caso de encontrá-lo?Será que ele é tudo isso que imagino?Será que vai gostar de mim?Será? Será...
Sabia que na Casa das Rosas tem vários aposentos, ao todo 4 andares e onde eu deveria ficar para observar o baile. Sei que era no Salão Nobre (entrada). No jardim em meio às rosas, eu poderia ficar observando, mas e se os espinhos me machucassem? Enfim, fui e chegando lá me acomodei e fiquei observando tudo. Ouvia-se uma sinfonia maravilhosa de Homus Melodius e um coral de Anjos de Deus.Akilah ficava aqui e lá, cheio de sentimentos Sentirilho buscando em outros seres virtudes. Krakosh chega e é muito encantador, ele faz um barulhinho croc croc, rochas que se atritam e soltam partículas brilhantes. O cavalheiro das Nuvens, muito sedutor também. Ah chegou “Dentinho”, um pouco tímido e “Livro” chegou atrás, procurando onde se estabelecer em um ponto estratégico do Salão para chamar a atenção. De um lado, a capa de era vermelha com letras douradas e do outro, preta com letras douradas. Percebi então que seres do sexo masculino eram em maior número do que os seres femininos. Eu queria mesmo ver a Dama Rosada, deve ser toda enfeitada de rosa, ou roupa cor de rosa. Chega Zibelina que segundo o seu criador não é uma convidada, mas ela sempre aparece, sempre está por perto e não está. Olha! esse deve ser o “Gororoba”, na sua capa vários legumes que emitiam raios nutritivos. Dama Rosada!Ela sim poderia dançar com Sticses, uma bonequinha com vestido longo e rodado cor de rosa. Não usava maquiagem porque sua beleza era estonteante.Mas o “cavalheiro das nuvens” não tirava os olhos dela, aliás todos a olhavam.
Aos poucos, os criadores foram chegando e se acomodando justamente onde eu estava, e não precisávamos estar no baile porque o principal, o que criou, ou inspirou a idéia dos seres estava lá: D’us.
Num dado momento, a orquestra pára e D’us abre o baile dizendo: “ Estou feliz por estarem aqui , seres imaginários,e como paraninfas da turma dos seres imaginários : Karen e Sandra. Hoje muitas coisas serão reveladas neste baile , virtudes , defeitos ou fatos que os criadores dos seres imaginários não citaram no texto.Fiquem a vontade e divirtam-se”.Foi seguido de muitos aplausos.
Ah! A Casa das Rosas a noite fica bem iluminada realçando mais ainda sua beleza. Eu já estava ficando cansada de esperar, para ver Sticses e outros seres que viriam ainda. Claro, aí apareceu a Dama Atrasilda, chega se desculpando pelo atraso e na sua capa várias tiras: “das mentiras esfarrapadas”, um salto do sapato mais curto do que outro caracterizando as “mancadas” que sempre dava. Um perfume intenso paira no ar de Rosas, era a Dama da Casa das Rosas, linda perfumada, sorridente, uma bela anfitriã, A sua capa era inteira de rosas de todas as cores, e “Amiox” tentou se aproximar dela, mas ela o cumprimentou com um sorriso e andou deslizando pelo salão. Olha chega outra dama a “Dama de Negro”, toda vestida de preto, sensual, olhos e cabelos pretos, a pele do rosto rosada.Muito charmosa, não sei dizer de suas virtudes porque não conheço o seu criador, mas me chamou a atenção. E Sticses? Fui me cansando quando olho na porta de entrada Sticses como um segurança, observando tudo. Eu não pensei que ele fosse me enxergar, pois eu estava bem escondida. Ele diz ao meu pensamento que estava me vendo e pediu para que eu olhasse em seus olhos. Meus olhos foram hipnotizados pelos deles e entendi que ele não iria dançar com ninguém no baile, mas que assim que terminasse o baile ele ficaria pra sempre comigo. E assim aconteceu.
O fim do baile? Ora, eu não fiquei até o fim. Fui embora com Sticses e com ele estou até hoje.Na Casa das Rosas com o projeto “escrevivendo”, outros bailes com outros seres imaginários acontecem, mas o Sticses e os seres deste baile retornaram para a cidade chamada “Papel”..

Baile

BAILE Comédia jocosa, quase prosa de um ato
Bruna Nehring 13 de Abril de 2009

O Cenário: A Casa das Rosas, gentilmente cedida para a ocasião pela Secretaria de Cultura

Personagens:
-AGÁCE - Mestre de Cerimônias
-KAREN - Coreógrafa
-ANFITRIÕES E SERES IMAGINÁRIOS CONVIDADOS
-UMA INTRUSA

AO ACENDEREM-SE AS LUZES: Agáce, o Mestre de Cerimônias, fraque completo, costas para os poucos degraus da entrada secundária, mão esquerda sobre o bronze da imponente balaustrada da escadaria, mão direita segurando uma folha de papel. Sua testa franzida denota preocupação em vista da dificuldade da tarefa. Pela lista, cada nome exercerá o direito de ser Anfitrião de um Convidado pessoal e especial, provavelmente invisível. As pessoas começam a avançar em direção a Agáce. Ele repete em voz alta o nome de cada um que se apresenta. O primeiro é o músico Júlio, Anfitrião de Homus Melodius que dirigirá a orquestra já instalada no saguão do primeiro andar. Seguem-se a poetisa Guilhermina, o poeta Luiz, o professor Benedito, e assim por diante, todos de mãos abanando, mas conversando ao seu lado com alguém que o Mestre de Cerimônias não pode ver. À chegada da Sra.Concha, verdadeira dama de gestos delicados e mãos descritivas, Agáce não percebe que, furtivamente, ela esconde, atrás de seu amplo vestido, um anjo maltrapilho de olhos tristes. É a SemHora do Carmo que, de propósito, o distrai mostrando com estardalhaço sua Dama Rosada, bibelô de rara beleza, para que Agáce a observe claramente: "a mansão deve ter obras de grande valor, mas esta é minha e estou chegando com ela”.

O cineasta Pedro, que entraria com um animal, chega sozinho como os outros; é devidamente inquirido, mas esclarece que a pequena Zibelina aparecerá só, quando e se seu Anfitrião a necessitará. Isto posto tudo parece correr muito bem até o momento em que a última Anfitriã da lista aparece, não com um, mais dois Convidados, e os dois de carne e osso. Um grandalhão em uniforme de gala da marinha e o outro, quase insignificante, num smoking Lagerfeld, de arrasar. Sem saber direito o que fazer, Agáce curva-se à única normalidade da noite e, encerrando sua tarefa, enfia a lista no bolso.

A orquestra já toca valsas, fox e tangos. Entre uma dança e outra, os Anfitriões e seus Convidados invadem a sala à direita do saguão inferior, onde grandes mesas, sob a supervisão de Sandra, oferecem a mais sensacional gororoba cujo fantástico poder transforma ingredientes, sabores, e aromas, segundo o paladar de cada conviva. Como surpresa desagradável: o preço exorbitante do champanhe, única bebida disponível. Pânico geral: despacha-se rapidissimamente o Akilah da Selda para tentar achar outras opções nas redondezas, sem sucesso, e é só a pronta intervenção do poeta Luiz, que soluciona o problema colocando a disposição de todas as senhoras, seu Convidado Brad que começa, com seu charmosíssimo sorriso internacional, a distribuição das taças, pagando do próprio bolso.

Aqui e acolá formam-se pequenos grupos animados, apresentando-se alguns, escondendo-se outros. Ós, Amiox e Krakosh fazem logo amizade, trocando seus segredinhos - e de seus anfitriões- entre si. Outros românticos namoram nos grandes terraços: mérito da poetisa Selda que, por intermédio de seus influentes amigos da Casa, conseguiu que o palacete fosse feericamente iluminado só por dentro, mantendo jardins e redondezas – inclusive a própria Avenida Paulista - às escuras, o que permite a visão clara e completa da lua e do firmamento quase ao alcance das mãos. No saguão inferior, o Sentirilho do Benedito está tentando entabular uma conversa com o CavalheirodasNuvens da Miriam, quando a Dama Rosada da DoCarmo avista o corpaço do Sven, um dos seres palpáveis da Bruna, precipitando-se ao seu encontro e querendo introduzir-se entre os botões dourados do uniforme e o calor da camiseta já suada. Ele agarra-a e a mantem quieta na sua enorme mão esquerda enquanto comenta com sua Anfitriã:
---“Não sei o que ela quer comigo, ela é tão frágil quanto atrevida. Já me perseguiu até no banheiro cor de rosa. O que é que eu faço?”

Ronaldo, o segundo convidado da Bruna, intervem rápido pegando o bibelô e, colocando-o diplomaticamente no bolso do smoking, sai vagando entre os demais, com ar de alienada indiferença.
Foi nesse exato momento que uma personagem desconhecida aparece no jardim e começa a subir a escadaria para entrar na festa. Agáce precipita-se ao seu encontro:
---“A Senhora tem convite?”
---“Não, mas vou entrar assim mesmo”
Seu tom alto e arrogante , cala a orquestra e o burburinho da festa. As pessoas começam a se perguntar: “quem é, quem será?” A poetisa Guilhermina despacha de imediato seu “Enigma”, para desvendar o caso, sem resultado. A desconhecida tenta passar pela direita do Mestre de Cerimônias que acompanha seu passo impedindo-a; ela tenta à esquerda, mas Agáce, firme, acompanha as tentativas sem abrir brechas.

Julio percebe a necessidade de ação, precipita-se escada acima para a orquestra e, numa improvisa retomada musical, levanta a batuta substituindo o seu Homus Melodius, que, pelo susto, está sendo acometido de tosse e gaguice.

Convidados e Anfitriões parados, estarrecidos, examinam a desconhecida. Karen, a coreógrafa do baile, acorre querendo intervir, sem sucesso. A voz da intrusa aumenta gritando:
---“Eu sou parte da Casa das Rosas, trouxe seres imaginários nessas salas de aula como convidada, todos tentaram imaginar o que significavam meus personagens, qual seria minha metáfora; fui tão aplaudida e meus queridos cavalheiros tão comentados, que ainda estão entre estes muros.....”
---“Ehi, ehi, Cuidado minha senhora, o único cavalheiro aqui é o meu Cavalheirodasnuvens!” brada a Miriam precipitando-se escada abaixo, mas a outra continua sem prestar-lhe atenção.
---”Os meus queridos cavalheiros estão sim aqui entres estes muros. Com eles eu preteri dois autores de fama internacional, e eu teria sido unanimidade, não fosse por causa de uma velha gringa, nariguda e metida a besta que estraçalhou com o meu estilo. Estou aqui para enfrentá-la.”

Bruna, desaparecendo atrás das enormes costas de Sven sussurra-lhe algo; ele num relâmpago entende a situação e, girando sobre si mesmo, empurra a amiga entre a parede e as costas da mulher esculpida perto da porta secundária do saguão; vendo que ela não é grande o suficiente para escondê-la, deita-se em cima das duas assumindo posição de bêbado feliz.
---“Onde está ela?” volta a berrar a desconhecida.
Agáce, sempre alerta, indica a escada do segundo piso, para que ela passe longe do esconderijo. Sven, aproveitando a trégua, e tentando mover os lábios o mínimo possível, bisbilhota: “ quem é aquela louca?”

E sua Anfitriã, quase sufocada por tamanho peso:
--- “Nada !! é uma émula de Margareth Mitchel! Um dia desse vai soltar um romance com personagens tipo ”Scarlet O'Hara e Rett Butler,” só que em alguma fazenda do Rio Grande do Sul na guerra dos Farrapos, no lugar de Tara na guerra de Secessão!” ---“E esta mulher aqui ao lado?”
---”Bah!! Paolina Borghese ou Madame de Maintenon, quem sabe...”
Passos em ritmo lento descem a escadaria. A intrusa encaminha-se desolada para a saída, sua voz alquebrada pela decepção.
---”Não achei: ela não está.”
Karen, atrás da vidraça quadriculada da biblioteca, respira aliviada. Anfitriões e Convidados voltam à dança – gafieira, samba de breque rasgado, evoluindo em franco grito de carnaval – enquanto a desconhecida, sem pisar no jardim, senta-se no último degrau, testa sobre os joelhos, mãos nos cabelos desarrumados. Imóvel e num momento de vago realismo confesso, pondera que:
---“....afinal! unanimidade menos um, não é pra qualquer um...”
Ao levantar-se para finalmente sair pelos canteiros floridos, ela suspira dramaticamente, mas em voz alta já tranquila: “Amanhã é outro dia!”

APAGAM-SE AS LUZES DA CASA DAS ROSAS
ACENDEM-SE AS DO JARDIM E DA AVENIDA PAULISTA

NOTA: Os Anfitriões que considerarem ofensivo ou inadequado o tratamento dado a seus Convidados estão autorizadosa processar o autor.