Primeiro Workshop do Escrevivendo

Primeiro Workshop do Escrevivendo
Foi com sucesso que a Casa Das Rosas apresentou o workshop sobre o projeto Escrevivendo. Quem foi, adorou!

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Impressões de Bastidores sobre o Evento

Parabéns a todos!
O recado foi dado e...recebido!

Tanto o módulo Seres Imaginários, quanto o workshop, foram mais um aprendizado em minha vida e uma confirmação de que sempre dá para crescer, melhorar, evoluir. Gostei da experiência de ajudante de mediadora no Seres Imaginários. Sinto muito não poder continuar, por enquanto.

Vivendo e aprendendo a jogar.
Nem sempre ganhando,
Nem sempre perdendo,
Mas...aprendendo a jogar...

O evento, por ordem de apresentação:

Professora Neide:Só ao ouvi-la, percebi que ela seria estrela do dia. Mesmo percebendo a importância do discurso, tive de levantar a plaquinha implacável do tempo, pois tínhamos um programa a cumprir. O fato de termos tido boa margem de tempo na hora dos debates deu oportunidade para a professora falar mais, o que foi muito importante.

Fred:Nessa segunda fala eu não ousaria interferir no tempo. Felizmente, ele não se estendeu demais, comunicador que é ( e sabe disso) abrilhantou o seminário. Juntar muitos professores, misturar com poetas e salpicar com os que, revelamente ou não, gostam de um palco é uma tarefa delicada.Fred deu seu recado de maneira simpática e descontraída, criando um clima mais informal ao evento e validando a importância da inovação que o projeto representa.

Karen:Com sua naturalidade e capacidade de improvisar, cortou sua própria fala que acabou acontecendo brilhantemente no final. Sendo assim, deixou bem claro o que é o escrevivendo. Durante o seminário, Karen participou 100% imbuída no espírito do Escrevivendo, dando oportunidade a quem quisesse expor suas idéias, mediando, completando, instruindo. Democrática, sempre.

Mafuane:O Chaveiroeiro foi emocionante, seu tom de voz, sua linguagem corporal preenchem o ambiente e as pessoas entram em outra dimensão. Gosto das aberturas inesperadas e acho que foi isso que aconteceu com a contação de história, um toque de arte. Na sua vez, Mafuane deu seu recado claramente, e no tempo certo, fazendo conexões com a história oral, os blogs, a infoeducação e o escrevivendo. O fato de ser contadora de história traz ao projetoum toque lúdico presencial . Ao apresentar com segurança o aspecto da blogagem, acrescenta modernidade e desperta interesse.

Loreta:Tem uma presença firme, "inabalável" e demonstra o quanto se compromete com o Escrevivendo. Passou uma parte teórica com leveza, as fotos no power point transmitem um pouco do espírito do projeto, foi bem clara na sua mensagem, profissional. Usou muito bem o tempo. Transmite calma e segurança.

Gabi:Gabriela tem uma característica que resume como ela é em sala de aula, como se apresentou, o que me faz concluir que seja um forte traço de sua personalidade: quando ela diz uma frase, o faz com tanta clareza que, do começo ao fim, as palavras saem, uma depois da outra, sem nenhuma jaça, lindas, leves, soltas, diretamente ao ponto em que foram dirigidas. Consegue transmitir os conceitos com firmeza e clareza. O exemplo dos bilhetes passados na sala de aula foi muito providencial.

Livia:Sua apresentação passou autoconfiança e certeza de que esse é o caminho. Também usou bem o tempo, sem dar a impressão de que estava preocupada com isso. exlicou com objetividade e amarrou as idéias. Demonstrou também, como as demais, a importância que dá à missão de mediadora.

A dinâmica dos 5 ou 10 livros da sua vida, com Karen, foi apropriada, deu para sentir a energia das pessoas conversando, trocando suas experiências. Mesmo os mais aparentemente fechados, fizeram sua listinha.

Bruna, Roberto e Neuza:São os veteranos, as pedras do templo, o exemplo de que a coisa dá certo mesmo. Todos tem anos de experiência , são inteligentes, informais e perceptivos. E isso não é qualquer coisa não! Deram um toque de descontração e veracidade, testemunhos sinceros, como é o Escrevivendo.

Con, Luiz e Do Carmo:Também foram benvindos e prestigiaram a ocasião.

Jessica:A jovem escrevivente foi linda e a presença dela foi fundamental tendo em vista o fato de que a maioria ali presente trabalha com jovens. Karen aproveitou o gancho para falar da inibição de escrever, foi perfeito.

Neuza: descontraída, jovem, comunicativa, Neuzita já é celebridade. Conhecida por andar com seu pendrive no pescoço, virou blogueira consagrada! Demais!

Para encerrar, comento que terminamos um pouco adiantadas no horário, não tivemos aquela sensação desagradável das pessoas saindo no meio. Tive a impressão de que as pessoas queriam mais, estavam lá atentas até o final. Certamente o próximo será melhor ainda e o terceiro, então, nem se fala! Parabéns a todas, lindas, inteligentes, preparadas, cheias de amor para dar. Foi muito bom fazer parte do time.

Até a próxima,
bedjos
san

Zibelina

A Dama Onipresente - Pedro Clash

O QUE É OU QUEM É: A Ausência

Sua forma, cor, peso e humor diferem para cada momento.
Veste-se de mulher, toma forma de dinheiro, tem a importância da tranqüilidade, de inspiração, de risos e até de mim mesmo. Embora também tenha cheiro, cor, forma de solidão, tristeza, irritação e preguiça.
Filha do desejo e da necessidade. Sempre aparece quando seus pais passam para uma visita. Tem inúmeros parentes, como o ócio, a solidão e a euforia.
Às vezes traz bons fluídos, às vezes irrita, às vezes causa inércia. Mas sempre aparece, e quando isso ocorre, mesmo que discretamente, ela é percebida, sentida. E transforma, e provoca.
Anda lado a lado em minha vida pronta para sentar-se mesmo sem ser convidada.
Adora crises, sejam elas financeiras, emocionais ou espirituais. Também comparece em festas, casamentos e comemorações. Age no silêncio, mas costuma causar bastante barulho.


ZIBELINA

Zibelina não é bem uma companheira. Também não é uma convidada. Mas ela sempre aparece, sempre está por perto e não está.
Costuma trocar de roupa, de forma, de cor, de cheiro e de importância de um instante para outro.
Apesar de incomoda inúmeras vezes é bastante pertinente, tanto que sem ela não vivo. E aí ela está vestida de morte. Assusta, mas enquanto está nela não está em mim.
Nesta semana adorou me provocar. Durante os dias se coloriu de desperto e quando a noite, então, ia matar o sono ela o roubava e me deixava noites em claro. E claro que pela manhã eu estava tão irritado enquanto ela desfilava com minha camiseta calmaria.
Estou sempre tentando despistá-la, por vezes até a esqueço, mas Zibelina é perspicaz, persistente, sabe ser discreta e persuasiva quando quer. Tem uma capacidade de se diluir a ponto de há muito tomar forma de dinheiro, ter a importância do que traz dinheiro, o trabalho, e cheirar uma quietude saborosa. Enquanto inquieto eu passo os dias, sem dinheiro no bolso e pouco trabalho a me ocupar. Que peso hein?
Ultimamente nossa relação tem sido assim. E nem posso dizer que a culpa é dela ou que nunca é generosa.
Domingo à noite, por exemplo, estava muito feliz, me divertindo, cantando no show do Radiohead e em meio a 30 mil pessoas lá estava ela, apertadinha ao meu lado, como um balão, totalmente cheia de tristeza, ranço e calada. Vestindo a carapuça para manter aquela felicidade que me acometia.
Pensando bem, não dá para dizer que Zibelina é tendenciosa. Ela é uma dama muito equilibrada, tem dosagens para todos os tipos de sentimentos. E o excesso de cada um tem mais a ver com a forma como me sinto, quais as minhas necessidades e desejos.
Ela não manda em nada, apenas interage e responde. Ainda assim tem uma força e independência tremenda. Quando se enche de coragem me dá um medo danado.
E Zibelina é boa, boa demais quando fecha a cara num mau humor e me deixa risos e leveza. Quando exausta pára para descansar e me enche de energia.
O fato é que a percebo mais quando me rouba do que quando me dá. Quando me rouba, o que sobra é saudade, intranquilidade, bolsos vazios, solidão, é a promessa não cumprida, o desejo não realizado. Mas quando me dá, ah quando me dá! É a noite dormida, o abraço apertado, o desejo saciado, o sorriso, o grito de gol.
Dinheiro? Bom, dinheiro já fica mais difícil. Nem Zibelina conseguiu se esquivar da crise econômica.


PEDROCLASH 27/03/2009.

Amiox

Nara Abdallah – 03/04/09

Seres Imaginários
Nome: Amiox
O que é: O lado obscuro de cada um
Do que se alimenta: Das misérias humanas.

Amiox nasce das fraquezas humanas. Mora no nosso subúrbio interno, faz parte da nossa periferia de emoções. Vive a espreita, à procura de um devaneio. Amiox vive dentro de cada um de nós, se alimenta quando falta espontaneidade, toma forma quando nos sentimos inadequados. Almeja por um momento de insegurança. Amiox não tem fé na vida.

Apesar de todos os defeitos atribuídos a ele, tem uma personalidade sedutora, e sempre aparece quando resolvemos lidar com o mais fácil, com situações que não exijam esforço. É um amante da preguiça e do comodismo, é dele a velha máxima, “Deixa a vida me levar”.

Amiox cria argumentos contundentes para ficarmos exatamente onde estamos, e é um expert em elaborar raciocínios perfeitos e coerentes quando a situação não faz mais sentido algum. A idéia, o plano, é mortificar as pessoas em vida.

Nas relações do trabalho aparece quando estamos na freqüência do “corpo mole”. Amiox vê os mais dedicados como rivais e não como instrumentos de superação.

Caminha sempre pelos excessos, transita pelos sete pecados. É ligado nos pequenos vícios comportamentais, adora um cigarro para mascarar o que sente, e se entope de doces e comidas para anestesiar o corpo.

Nas relações afetivas Amiox pode nascer da calmaria e também do conflito. Nos pega desprevenidos quando estamos a procura de definições. Mesmo tendo recursos optamos pela infelicidade. Ele é a falta de coragem de recomeçar ou de seguir em frente.

Nas relações sociais se instala nas nossas corrupções, nos nossos pactos, valoriza as miudezas que nos impedem de crescer. Ele aparece quando o ego infla.

AMIOX

Ele já não suportava mais a história na qual estava inserido, era pesado demais se relacionar todos os dias com as escolhas que não tinha feito. Escolhas feitas não pelo seu “Eu” consciente. Na maior parte do tempo, quem ditava as regras era o seu Amiox.

Casou sem saber se era isso que queria, trabalhava em uma profissão que não fazia sentido, se envolvia socialmente com pessoas superficiais, a família foi a única coisa que de fato não teve como escolher.

Ele precisava ter coragem para viver o que nunca havia se permitido, passou a maior parte do tempo como um coadjuvante de sua própria vida, se escondendo atrás de discursos moralistas. Vivia sempre ocupado com os outros, não por altruísmo, mas por falta de coragem de olhar para si mesmo.

Amiox o deixou distante do que fazia sentido, inverteu seus valores. Incutiu nele a idéia de que para ser feliz é necessário ter. Em qualquer crise, lá estava seu súdito, dominado, gastando o que não tinha, se produzindo para estar sempre bem, com a embalagem de acordo com o cenário inserido.

No fundo ele sempre soube do que era necessário cuidar. Os lampejos de
lucidez que o acometia, aconteciam quando Amiox adormecia, e ele se aquietava. Nesses
momentos passava a enxergar a sua história com mais clareza e compreendia que estava na contramão daquilo que buscava.

Um dia ele resolveu que Amiox não acordaria mais. A consciência não veio assim de repente, de súbito, mas por meio de um vazio sem fim, e que nenhum dos subterfúgios utilizados por ele antes (e que surtira efeito em momentos de crise), acalmaria desta vez.
Era sua alma gritando, era a vida cobrando seu preço, era o olho que queria enxergar e revelar a ele, o que de fato era a realidade, era o xeque-mate.

Ele optou por viver, viver em vida, viver a saúde, não quis mais a doença. Aprendeu a respeitar seu Amiox, que permanece adormecido, pois só com a consciência de sua importância pode mantê-lo assim. Ele sabe que não pode mais baixar a guarda, compreende melhor o lado obscuro que conviveu com ele durante tantos anos. O desleixo, a submissão e a banalidade era o que regia, e agora sabe que precisa ter disciplina, espiritualidade e daqui para frente trabalhar pesado.

Enquanto seu Amiox permanece adormecido, sua vida é mais real, intensa e completa.

A Dama Rosada

A DAMA ROSADA - DoCarmo

Patrícia é uma jovem garota recém formada em Ciências Biológicas e veio morar sozinha em São Paulo com o objetivo de especializar-se em algum ramo da biologia, mas ainda não se definiu. Essa mudança radical em, deixar a casa paterna e viver distante e só em outra cidade, fez-se necessária em decorrência da aprovação em concurso para trabalhar em um grande laboratório.
Desde muito pequena já se notava seus comportamentos determinados, conscientes de suas vontades, senhora de suas decisões e defensora de suas idéias e crenças. Ela demonstrava incredulidade jocosa nas histórias, lendas, contos, fábulas e mitos infantis onde tudo sempre termina bem, uma vez que contam com a intervenção de Fadas Madrinhas, Duendes, Anjinhos e um enorme elenco de seres imaginários criados para o enlevo das crianças. Mas Patrícia dizia-se consciente da realidade: todo acontecimento tem uma causa que produz um efeito e conseqüentemente uma reação provocando um final..
Atualmente mora em um apartamento pequeno, mantido em absoluta ordem. A decoração é bem singela: algumas poltronas com almofadas de suave colorido, pouquíssimos móveis, cortinas muito leves; em seu quarto, além da cama e de um armário com portas espelhadas nas faces esternas, tem uma mesinha em estilo Luiz XV enfeitada com uma caixinha de jóias e uma bonequinha de porcelana representando uma dama no mesmo estilo da mesa, – Dama Rosada – como ela a chama.
Essa é nossa protagonista: racional e objetiva
Em um fim de tarde de um dia tórrido de verão, eis que Patrícia chega extenuada pelo trabalho e transpirada pelo calor, aspirando por um tépido banho, mas ao entrar em seu apartamento apenas consegue jogar-se na cama, de sandálias e bolsa ainda no braço e adormece, sem prestar atenção a uma das portas do armário que estava entreaberta tornando visível o espaço debaixo da cama.
Patrícia adormece profundamente. Começa a sonhar e como num passe de mágica sente-se possuída por uma força estranha que a faz levitar e dirigir-se involuntariamente para cima da mesinha ao lado da Dama Rosada.
Sem questionar ou admirar-se desse fenômeno, ela simplesmente aguarda por instruções, como de vezes anteriores, acontecidas em momentos de dificuldades ou aflições.
- Patrícia, diz a Dama Rosada, você não notou a porta do armário entreaberta que eu estrategicamente deixei para você ver que debaixo de sua cama está um homem, um ladrão escondido?
- Não, minha protetora, estou tão cansada que não tirei as sandálias sequer, só pensei em deitar-me e descansar.
- E com isso fui obrigada a fazê-la adormecer e trazê-la até minha mesinha.
- O que devo fazer?
- Deixe comigo, volte para seu corpo e deixe-me tomá-lo.
“ - Ai, ai, não consigo dormir, minha fome é mais forte do que meu cansaço. Vou levantar-me, telefonar para a pizzaria da avenida e enquanto espero a pizza chegar vou fazer um suco de laranja.
“ Patrícia ‘ levanta-se, espreguiça-se tira as sandálias, coloca a bolsa no armário, deixa a porta aberta, encaminha-se para a janela escancarando-a e vagarosamente sai do quarto, pega o telefone, senta-se em uma poltrona e inicia uma ligação. Nota um movimento do ladrão, talvez ele tencionava sair pela janela, mas vê sua esperança frustrar-se, pois, sapeca como é a Dama Rosada que está incorporada na Patrícia, volta e cantarolando remexe na bolsa sem parar, balbuciando coisas sem nexo o que faz o bandido remexer-se de ansiedade no seu esconderijo. Calmamente volta para a sala, e recomeça a discar. Para. Descansa o telefone na poltrona. Novamente volta para o quarto.Começa a conversar sozinha e diz que vai convidar uma amiga para dividir a pizza com ela, mas sente dúvidas nessa escolha, todas são queridas amigas. Desiste, pensa e raciocina: se comer sozinha sobrará para amanhã. Ótimo, resolvido. Retoma o telefone, disca e faz o pedido, “conversa em voz sussurrada”, e retorna ao quarto dirigindo-se à janela. Novo remexer do ladrão. Nesse momento Patrícia, a Dama Rosada, concentra-se nele e o faz dormir profundamente.
Ouve-se o frear de carros, alvoroço na entrada do prédio, elevador parando – soa estridente a campainha da porta.
Patrícia com passos rápidos chega até a porta e deixa entrar os policiais que se encaminham para o quarto gritando voz de prisão.
Assustado o rapaz acorda sendo puxado pelo braço e sem resistência deixa-se algemar resmungando impropérios à Patrícia, que com olhares brejeiros diz adeus ao bandido acenando com a mão.
Tão logo ela fecha a porta com todos os ferrolhos que tem direito, retorna ao quarto, deita-se e novamente mergulha no sono ou sonho fantástico sentindo a seu lado a Dama Rosada que sorridente lhe pergunta :
- Ainda afirma que sou um ser imaginário?

Krakosh

KRAKOSH - Ceres de Almeida

Helena leu o conto a alunos. O personagem foi com ela a casa. Quarenta anos, namorava Ruben, músico. Sentou-se na varanda, naquele fim de tarde de abril. Rabiscou aquele ser, imaginando-o diante dela. Ouviu um farfalhar de folhas de alguma árvore. O gato miou, pedindo atenção. Helena deitou-se no sofá, cobriu-se com uma colcha leve de patchwork, presente da filha. Fechou os olhos querendo conhecer melhor sua criatura. Cinza. Delineou-se uma figura. Sentiu o gato aconchegar-se no espaço entre os pés e o sofá. Colocara o fone na secretária eletrônica; o porteiro já entregara a correspondência do dia. Com o vizinho viajando, nada de ruídos que a interrompessem.
Pensamentos saltavam: “lavar algumas peças de roupa, panelas sujas na cozinha, ruído de carros na rua. Voltou à cor cinza sem forma. Viu-se dentro dela, a grande velocidade. Tudo se tornou amarelo. Deserto. Dunas, contornos arredondados. Vento em redemoinho levantando areia. “O vento move montanhas!” Lembrou-se das citações bíblicas, sobre mover montanhas pela fé, algo mágico em sua fantasia infantil. -“ Move-se montanha aos poucos! ” Ia de momentos de imaginação solta aos pensamentos habituais. Levantou-se, lavou a louça, preparou roupa para ser lavada. Seguia um ritual conhecido.
“-Os ventos modificam o relevo de dunas mudando-as de lugar. Modela rochas pela fricção da poeira de areia que lança em sua direção”. Juntava elementos, cozendo-os num todo, como a manta de patchwork. Recordou-se de esculturas naturais exóticas dos arcos rochosos em Utah. As cortinas balançaram com a brisa e Mingau escondeu-se embaixo do sofá.
Dera a ele o nome de Krakosh, sem pensar. O som lembrava rocha que se quebra, talvez pelo trabalho erosivo do vento. Rocha leve, desfeita em partículas, montanha que se move no ar. Leu novamente o conto.
“Krakosh parece ser feito de rocha, dizem que é filho da terra com o ar. Da mãe herdou o corpo, não é grande nem pequeno, nem alto nem baixo. Do pai, o jeito de flutuar de lá para cá e para acolá. Krakosh tem a leveza da pluma e a força da rocha. Parece um galho de árvore antiga, delgado, que se abre numa pequena copa de galhos mais finos. Em cada ponta destas partes tem uma espécie de circunferência colorida, dizem ser herança do Arco-Íris, parece pedra preciosa , brilhante e facetada. São olhos de Krakosh. Dizem também que pode enxergar de dia e de noite. Mas o que vê é um momento apenas, pois vive flutuando como o vento, sempre mudando de lugar. Visita muitas terras sem se deter em nenhuma. Dizem que traz sorte aos infelizes e desencantados, inspiração aos poetas.
Krakosh é cinza no corpo, com olhos coloridos. Quando passa por tormentas se confunde com a cor cinza dos temporais, com a neblina das manhãs de inverno, fica completamente invisível ao adormecer, no meio das chuvas, das brumas. Solta sons, que nascem do vento. Dizem que fala quando a brisa passa, ruge quando a ventania muda o rumo das nuvens. Nunca se viu um krakosh com outro krakosh. Dizem que eles se encontram no alto de altas montanhas, desconhecidas pelos humanos, ou em profundas cavernas. É quando param por séculos, alimentam-se das fontes e dos metais, para começarem nova jornada através das brisas e dos ventos. Em tempos de calmaria descansam em florestas ou no alto de algum edifício das cidades. Já foram confundidos com ovnis por olhos de camponeses, quase ocultos aos olhos das pessoas das grandes cidades, tão cheias de luzes e contradições. Dizem que se alguém silenciar o coração, poderá, quem sabe, ouvir o canto de um krakosh. E ouvindo, se encantará com o mais simples ato e fato. Dizem também que são capazes de mover montanhas, e que alguns profetas se inspiraram em seus poderes para criarem sermões de fé.”
Eram muitos reunidos naquele vale nas alturas. Eram um só, trama de dramas. Ali zuniam trocando sons, como se a voz das montanhas resolvesse contar tudo de séculos num só instante. A extremidade de seus corpos estava ligada a outras extremidades de outros corpos, os círculos coloridos com círculos coloridos, plugados. Uma imensa rede se formava no fundo cinzento. Criavam a Memória dos Acontecimentos Cambiantes, volátil e flúida como a própria natureza humana. Eram a rede. Receptores e transmissores incansáveis formavam e transformavam imagens visuais, sonoras, virtuais, na velocidade da luz. Nada era certo e nada era errado. Era, apenas. Imediatamente comunicado, drama de tramas, nem mais, nem menos que possibilidades quase infinitas de combinação de dados.
Deitada, Helena lembrava-se da conversa com Ruben a respeito da obra aberta. O convite a “fazer” a obra com o autor, pondo-a em movimento onde o risco atiça o traçado contínuo. Lembrou-se de Bartók, compositor húngaro, e os exercícios propostos: a posição dos dedos, tradicionalmente colocados numa certa sequência ao tocar as teclas de um piano, propositalmente deslocados a outra sequência, desfazendo hábito, abrindo nova combinação. Ruben admirava a capacidade de Bartók, de se libertar de tonalidades tradicionais, para voltar para elas em seguida. Aquela audácia, saber, ousar, querer, em suas várias combinações: ousar saber, querer ousar, saber ousar. A vida como obra aberta, dar espaço à ousadia da criação. Via-se repetindo pensamento conhecido. Em suas idas e vindas, queria ser tocada pelo novo.
No alto das montanhas, num ambiente cinzento, os krakosh continuavam o trabalho incessante de conexões. De vez em quando, muito de vez em quando havia mudança de posições, deslocamentos mais radicais. Um zunido contínuo fazia daquela atmosfera de trabalho, algo de efeito hipnótico. Alimentavam-se de água, minerais, oxigênio e substâncias que circulavam pela rede de corpos que se conectavam, num incessante jogo de troca de informações. Não tinham nome específico na tarefa de absorção-transmissão. Uma luz, muito tênue, muito de vez em quando, se anunciava timidamente entre as montanhas, prenúncio de mudança de posições, descanso, recolhimento, para que outras equipes entrassem em cena. Muitos deles estavam enfadados pela repetição dos mesmos circuitos, das mesmas informações, das imagens que teimavam em se repetir. Raramente algo novo se configurava. Circulavam por reinos, quase não eram vistos, iam com o vento das correntes. Dizem que encantavam poetas e desesperançados, anunciavam novas possibilidades aos exaustos. Eram considerados descendentes de Mercúrio, o deus mensageiro. Magos, talvez.
Helena foi à varanda, gostou da brisa de outono, deu ração ao gato, tomou um banho quente, entregou-se novamente à imaginação. Como era difícil sair da mesmice. Observava os movimentos da mente, mergulhada na correnteza de pensamentos recorrentes. Voltava a nadar até a margem, observadora de si. Quando afundava no rio de idéias e emoções de sempre, atolava-se em velhas histórias, e, sonâmbula, andava pelas ruas, dava aulas, fazia compras, conversava com as gentes. Era dificílimo despertar. Sabia-se sonhando acordada.
Viu-se num vale cinzento, cheio de volteios entre rochas e desfiladeiros maciços. Era pequena diante de tamanho volume. Caminhava com cuidado, atenta a cada passo. Um zumbido vinha detrás da rocha maior. Deu-se o rumo, acelerou-se o passo e o som. Veio a neblina, confundindo contornos. Algo roçou em sua cabeça. Uma espécie de casca de árvore, leve, cinza. Soltou-se no ar, como um pássaro a planar, desaparecendo na bruma.
Zumbido constante, monotonia cromática a absorviam por completo, impedindo qualquer movimento de pensamento que a tirasse do agora. Seguia o vôo dos estranhos gravetos, guiada pelo som que parecia aumentar a cada passada. Não conseguia articular idéias. Estava atenta, seguia em frente, sem por quê nem para quê. Começava a fazer parte daquilo tudo, estranha comunhão. Nem pensamento, nem propósito a guiavam. Ia com o vento, nada mais. A luz intensa eclipsava diferenças. Estava entre eles. Com este pensamento tudo se apagou. Escuridão total. Apenas o nada, sem som nem forma. Ela era nada. Era o som. Flutuava como pluma, imagens rodavam ao redor, tudo via, sem se deter em nada. Pairava sobre um ponto alto de um aglomerado de imagens que acreditava ser uma cidade. Seguia o vento, quase sem ser vista. Alguns poetas e desesperançados sentiam-se visitados pelo novo. Virou dunas, brumas, rodopiou em ventos de areia, desapareceu na chuva ao fechar seus inúmeros sensores. Do alto das montanhas mais altas seguia a luz circular, era tudo e nada, era som, imagem, escuridão. Dissolveu-se na luz despertando-se Helena, no meio da madrugada, com o miado do gato pedindo comida. Circulou mundos, pairando na atmosfera cinzenta do alto de sua cabeça, onde neurônios, desfazendo conexões, recolhiam-se para se alimentarem das fontes, dos metais, dos momentos sem sonho.

Sticses

ELIZABETH FERREIRA DOS SANTOS PAIVA E "STICSES”

Em 1977 não sei em que mês, foi quando encontrei “Sticses” pela primeira vez. Sentia-me tão perseguida; meu ritmo de vida era intenso, a todo o momento a certeza de que a vida valia muito pouco.
Em dado momento estava cercada de perigos e não havia chance de escapar com vida, e não sei se minha mente em busca de um refúgio apresentou-me “Sticses”: um jovem de aparência comum, bem mais alto que eu, magro, esbelto, cabelos loiros, olhos castanhos e penetrantes, não sei precisar ao certo a sua idade.
Ele se locomovia como a velocidade da luz, para ele não havia barreiras. Ele descia dos céus e voltava numa velocidade incrível ; seus pés não tocavam o chão. Ele falava comigo em pensamento, de sua boca não saía som algum, mas os seus olhos falavam tudo que seus lábios não diziam. Eu o entendia pelo pensamento.Ele aparece e me coloca na fenda de uma rocha, e me esconde dos inimigos. Sai à luta com vários deles e quando está por terminar a batalha, eu começo a gritar em busca de socorro, ele se desvencilha dos inimigos e me põe em lugar seguro.
Sticses não sei de onde ele era, e nem sei se havia mais seres como ele, porque eu só encontrei um Sticses.
Assim me senti segura pela primeira vez na minha vida. Que sensação maravilhosa! Sticses foi o único que proporcionou esta sensação.
Várias vezes ao dia ele me protegia; na verdade o dia todo a noite inteira. E era tão real Sticses que quando eu ficava triste e constantemente ficava, pois sentia uma solidão muito grande e um vazio maior ainda dentro de mim, a lembrança de Sticses me protegendo me consolava.
Pensava se ele realmente existia ou se a minha imaginação o criara... fato é que Sticses me acompanhou por muitos anos. Me perguntava o porquê ele estaria sempre me protegendo.. Quem lhe deu essa incumbência? Será que ele fazia isso de livre e espontânea vontade? O que ele queria de mim? Será que como me eram confiadas várias missões a dele era me proteger?
O que encantava nele era sua dedicação: arriscava-se a todo o momento por minha causa e, enquanto eu não fazia da vida um prêmio, ele começou a me ensinar o valor da vida, preservando-me. Ele me transmitia amizade,sinceridade, honestidade, fidelidade, dedicação, tudo o que eu não tinha... que eu só ouvi falar. Ele era correto e elegante em seus movimentos e ao mesmo tempo em que era um perfeito guerreiro, também era extremamente carinhoso, porque sempre que podia afagava meus cabelos.
Eu podia dormir agora, porque ele não descansava e cuidava de mim. Sempre atento e diligente. Aos poucos a vida por causa de Sticses foi tendo sentido e meu olhar em relação ao mundo mudou. Ele sabia se expressar na hora certa , no momento certo, perfeito.Ele não usava arma como eu mas, vencia todas as lutas. Isso me bastava. A vida ganhou sentido porque eu comecei a procurar por Sticses, dentro de mim a certeza de que ele não era imaginário eu o encontraria.



O GRANDE BAILE NA CASA DAS ROSAS-Elizabeth Ferreira dos Santos Paiva
Passaram 32 anos desde a primeira vez em que vi Sticses. A esperança de encontrá-lo aumentava. Claro que ele sempre estava por perto me protegendo, mas eu queria me aproximar dele. Num certo dia do mês de Abril, ecoou nos céus um som. Notas harmoniosas que encantavam trazendo uma leve sensação de bem estar e boas notícias.. Era o Homus Melodius anunciando um grande baile que seria realizado no dia 18 de abril na Casa das Rosas. Os convidados: os seres imaginários. Pensei: ”Será que os criadores dos seres também”? Eu não sabia. Meu coração encheu-se de esperança ao pensar na chance de me aproximar de Sticses. Sendo guerreiro, será que sabe dançar? Pode ser que, ele não fosse ao baile ou não ouvisse o som do convite. Ele era sempre atento, e estava sempre vigilante, e em todos esses anos não falei com ele apenas o entendia pelo pensamento.Quanta emoção! Vou encontrar Sticses, não só ele, mas outros seres também. Ouvi falar de uma Dama Rosada, Homus Melodius, Amiox, Akilah, Gororoba, Sentirilho, Os & Esses,Krakosh, Cavalheiro das Nuvens, Zibelina, e o mais importante dos seres D’us.
Vou procurar alguém que possa dar a informação sobre o baile e se eu tenho chance de ao menos chegar perto. Procurei então por duas mulheres muito simpáticas, e inteligentes: Karen e Sandra que orientavam as pessoas no “Escrevivendo”, na Casa das Rosas. Elas é que são responsáveis pelo aparecimento dos seres imaginários, eu precisava saber de detalhes: se eu podia ir, o traje, o horário. Pensei em todas as possibilidades de poder estar perto do Sticses.
Fui até a Casa das Rosas a procura de Karen e Sandra, e elas disseram que o baile ia ser no dia 18 de abril das 10h30 ás 13h30. Me informaram que foram convidados apenas os seres imaginários. Fiquei muito triste e expliquei a elas que esperava por Sticses há 32 anos. Ambas comovidas com o meu relato, disseram que eu poderia observar o baile à distância para que ,os seres imaginários ficassem a vontade. A presença dos criadores poderia restringir a liberdade , e escamotear virtudes importantes..
Fiquei radiante contando os minutos para o grande dia e o grande baile. A expectativa e mil perguntas: Que roupa usar? O que vestir? O que falar no caso de encontrá-lo?Será que ele é tudo isso que imagino?Será que vai gostar de mim?Será? Será...
Sabia que na Casa das Rosas tem vários aposentos, ao todo 4 andares e onde eu deveria ficar para observar o baile. Sei que era no Salão Nobre (entrada). No jardim em meio às rosas, eu poderia ficar observando, mas e se os espinhos me machucassem? Enfim, fui e chegando lá me acomodei e fiquei observando tudo. Ouvia-se uma sinfonia maravilhosa de Homus Melodius e um coral de Anjos de Deus.Akilah ficava aqui e lá, cheio de sentimentos Sentirilho buscando em outros seres virtudes. Krakosh chega e é muito encantador, ele faz um barulhinho croc croc, rochas que se atritam e soltam partículas brilhantes. O cavalheiro das Nuvens, muito sedutor também. Ah chegou “Dentinho”, um pouco tímido e “Livro” chegou atrás, procurando onde se estabelecer em um ponto estratégico do Salão para chamar a atenção. De um lado, a capa de era vermelha com letras douradas e do outro, preta com letras douradas. Percebi então que seres do sexo masculino eram em maior número do que os seres femininos. Eu queria mesmo ver a Dama Rosada, deve ser toda enfeitada de rosa, ou roupa cor de rosa. Chega Zibelina que segundo o seu criador não é uma convidada, mas ela sempre aparece, sempre está por perto e não está. Olha! esse deve ser o “Gororoba”, na sua capa vários legumes que emitiam raios nutritivos. Dama Rosada!Ela sim poderia dançar com Sticses, uma bonequinha com vestido longo e rodado cor de rosa. Não usava maquiagem porque sua beleza era estonteante.Mas o “cavalheiro das nuvens” não tirava os olhos dela, aliás todos a olhavam.
Aos poucos, os criadores foram chegando e se acomodando justamente onde eu estava, e não precisávamos estar no baile porque o principal, o que criou, ou inspirou a idéia dos seres estava lá: D’us.
Num dado momento, a orquestra pára e D’us abre o baile dizendo: “ Estou feliz por estarem aqui , seres imaginários,e como paraninfas da turma dos seres imaginários : Karen e Sandra. Hoje muitas coisas serão reveladas neste baile , virtudes , defeitos ou fatos que os criadores dos seres imaginários não citaram no texto.Fiquem a vontade e divirtam-se”.Foi seguido de muitos aplausos.
Ah! A Casa das Rosas a noite fica bem iluminada realçando mais ainda sua beleza. Eu já estava ficando cansada de esperar, para ver Sticses e outros seres que viriam ainda. Claro, aí apareceu a Dama Atrasilda, chega se desculpando pelo atraso e na sua capa várias tiras: “das mentiras esfarrapadas”, um salto do sapato mais curto do que outro caracterizando as “mancadas” que sempre dava. Um perfume intenso paira no ar de Rosas, era a Dama da Casa das Rosas, linda perfumada, sorridente, uma bela anfitriã, A sua capa era inteira de rosas de todas as cores, e “Amiox” tentou se aproximar dela, mas ela o cumprimentou com um sorriso e andou deslizando pelo salão. Olha chega outra dama a “Dama de Negro”, toda vestida de preto, sensual, olhos e cabelos pretos, a pele do rosto rosada.Muito charmosa, não sei dizer de suas virtudes porque não conheço o seu criador, mas me chamou a atenção. E Sticses? Fui me cansando quando olho na porta de entrada Sticses como um segurança, observando tudo. Eu não pensei que ele fosse me enxergar, pois eu estava bem escondida. Ele diz ao meu pensamento que estava me vendo e pediu para que eu olhasse em seus olhos. Meus olhos foram hipnotizados pelos deles e entendi que ele não iria dançar com ninguém no baile, mas que assim que terminasse o baile ele ficaria pra sempre comigo. E assim aconteceu.
O fim do baile? Ora, eu não fiquei até o fim. Fui embora com Sticses e com ele estou até hoje.Na Casa das Rosas com o projeto “escrevivendo”, outros bailes com outros seres imaginários acontecem, mas o Sticses e os seres deste baile retornaram para a cidade chamada “Papel”..

Baile

BAILE Comédia jocosa, quase prosa de um ato
Bruna Nehring 13 de Abril de 2009

O Cenário: A Casa das Rosas, gentilmente cedida para a ocasião pela Secretaria de Cultura

Personagens:
-AGÁCE - Mestre de Cerimônias
-KAREN - Coreógrafa
-ANFITRIÕES E SERES IMAGINÁRIOS CONVIDADOS
-UMA INTRUSA

AO ACENDEREM-SE AS LUZES: Agáce, o Mestre de Cerimônias, fraque completo, costas para os poucos degraus da entrada secundária, mão esquerda sobre o bronze da imponente balaustrada da escadaria, mão direita segurando uma folha de papel. Sua testa franzida denota preocupação em vista da dificuldade da tarefa. Pela lista, cada nome exercerá o direito de ser Anfitrião de um Convidado pessoal e especial, provavelmente invisível. As pessoas começam a avançar em direção a Agáce. Ele repete em voz alta o nome de cada um que se apresenta. O primeiro é o músico Júlio, Anfitrião de Homus Melodius que dirigirá a orquestra já instalada no saguão do primeiro andar. Seguem-se a poetisa Guilhermina, o poeta Luiz, o professor Benedito, e assim por diante, todos de mãos abanando, mas conversando ao seu lado com alguém que o Mestre de Cerimônias não pode ver. À chegada da Sra.Concha, verdadeira dama de gestos delicados e mãos descritivas, Agáce não percebe que, furtivamente, ela esconde, atrás de seu amplo vestido, um anjo maltrapilho de olhos tristes. É a SemHora do Carmo que, de propósito, o distrai mostrando com estardalhaço sua Dama Rosada, bibelô de rara beleza, para que Agáce a observe claramente: "a mansão deve ter obras de grande valor, mas esta é minha e estou chegando com ela”.

O cineasta Pedro, que entraria com um animal, chega sozinho como os outros; é devidamente inquirido, mas esclarece que a pequena Zibelina aparecerá só, quando e se seu Anfitrião a necessitará. Isto posto tudo parece correr muito bem até o momento em que a última Anfitriã da lista aparece, não com um, mais dois Convidados, e os dois de carne e osso. Um grandalhão em uniforme de gala da marinha e o outro, quase insignificante, num smoking Lagerfeld, de arrasar. Sem saber direito o que fazer, Agáce curva-se à única normalidade da noite e, encerrando sua tarefa, enfia a lista no bolso.

A orquestra já toca valsas, fox e tangos. Entre uma dança e outra, os Anfitriões e seus Convidados invadem a sala à direita do saguão inferior, onde grandes mesas, sob a supervisão de Sandra, oferecem a mais sensacional gororoba cujo fantástico poder transforma ingredientes, sabores, e aromas, segundo o paladar de cada conviva. Como surpresa desagradável: o preço exorbitante do champanhe, única bebida disponível. Pânico geral: despacha-se rapidissimamente o Akilah da Selda para tentar achar outras opções nas redondezas, sem sucesso, e é só a pronta intervenção do poeta Luiz, que soluciona o problema colocando a disposição de todas as senhoras, seu Convidado Brad que começa, com seu charmosíssimo sorriso internacional, a distribuição das taças, pagando do próprio bolso.

Aqui e acolá formam-se pequenos grupos animados, apresentando-se alguns, escondendo-se outros. Ós, Amiox e Krakosh fazem logo amizade, trocando seus segredinhos - e de seus anfitriões- entre si. Outros românticos namoram nos grandes terraços: mérito da poetisa Selda que, por intermédio de seus influentes amigos da Casa, conseguiu que o palacete fosse feericamente iluminado só por dentro, mantendo jardins e redondezas – inclusive a própria Avenida Paulista - às escuras, o que permite a visão clara e completa da lua e do firmamento quase ao alcance das mãos. No saguão inferior, o Sentirilho do Benedito está tentando entabular uma conversa com o CavalheirodasNuvens da Miriam, quando a Dama Rosada da DoCarmo avista o corpaço do Sven, um dos seres palpáveis da Bruna, precipitando-se ao seu encontro e querendo introduzir-se entre os botões dourados do uniforme e o calor da camiseta já suada. Ele agarra-a e a mantem quieta na sua enorme mão esquerda enquanto comenta com sua Anfitriã:
---“Não sei o que ela quer comigo, ela é tão frágil quanto atrevida. Já me perseguiu até no banheiro cor de rosa. O que é que eu faço?”

Ronaldo, o segundo convidado da Bruna, intervem rápido pegando o bibelô e, colocando-o diplomaticamente no bolso do smoking, sai vagando entre os demais, com ar de alienada indiferença.
Foi nesse exato momento que uma personagem desconhecida aparece no jardim e começa a subir a escadaria para entrar na festa. Agáce precipita-se ao seu encontro:
---“A Senhora tem convite?”
---“Não, mas vou entrar assim mesmo”
Seu tom alto e arrogante , cala a orquestra e o burburinho da festa. As pessoas começam a se perguntar: “quem é, quem será?” A poetisa Guilhermina despacha de imediato seu “Enigma”, para desvendar o caso, sem resultado. A desconhecida tenta passar pela direita do Mestre de Cerimônias que acompanha seu passo impedindo-a; ela tenta à esquerda, mas Agáce, firme, acompanha as tentativas sem abrir brechas.

Julio percebe a necessidade de ação, precipita-se escada acima para a orquestra e, numa improvisa retomada musical, levanta a batuta substituindo o seu Homus Melodius, que, pelo susto, está sendo acometido de tosse e gaguice.

Convidados e Anfitriões parados, estarrecidos, examinam a desconhecida. Karen, a coreógrafa do baile, acorre querendo intervir, sem sucesso. A voz da intrusa aumenta gritando:
---“Eu sou parte da Casa das Rosas, trouxe seres imaginários nessas salas de aula como convidada, todos tentaram imaginar o que significavam meus personagens, qual seria minha metáfora; fui tão aplaudida e meus queridos cavalheiros tão comentados, que ainda estão entre estes muros.....”
---“Ehi, ehi, Cuidado minha senhora, o único cavalheiro aqui é o meu Cavalheirodasnuvens!” brada a Miriam precipitando-se escada abaixo, mas a outra continua sem prestar-lhe atenção.
---”Os meus queridos cavalheiros estão sim aqui entres estes muros. Com eles eu preteri dois autores de fama internacional, e eu teria sido unanimidade, não fosse por causa de uma velha gringa, nariguda e metida a besta que estraçalhou com o meu estilo. Estou aqui para enfrentá-la.”

Bruna, desaparecendo atrás das enormes costas de Sven sussurra-lhe algo; ele num relâmpago entende a situação e, girando sobre si mesmo, empurra a amiga entre a parede e as costas da mulher esculpida perto da porta secundária do saguão; vendo que ela não é grande o suficiente para escondê-la, deita-se em cima das duas assumindo posição de bêbado feliz.
---“Onde está ela?” volta a berrar a desconhecida.
Agáce, sempre alerta, indica a escada do segundo piso, para que ela passe longe do esconderijo. Sven, aproveitando a trégua, e tentando mover os lábios o mínimo possível, bisbilhota: “ quem é aquela louca?”

E sua Anfitriã, quase sufocada por tamanho peso:
--- “Nada !! é uma émula de Margareth Mitchel! Um dia desse vai soltar um romance com personagens tipo ”Scarlet O'Hara e Rett Butler,” só que em alguma fazenda do Rio Grande do Sul na guerra dos Farrapos, no lugar de Tara na guerra de Secessão!” ---“E esta mulher aqui ao lado?”
---”Bah!! Paolina Borghese ou Madame de Maintenon, quem sabe...”
Passos em ritmo lento descem a escadaria. A intrusa encaminha-se desolada para a saída, sua voz alquebrada pela decepção.
---”Não achei: ela não está.”
Karen, atrás da vidraça quadriculada da biblioteca, respira aliviada. Anfitriões e Convidados voltam à dança – gafieira, samba de breque rasgado, evoluindo em franco grito de carnaval – enquanto a desconhecida, sem pisar no jardim, senta-se no último degrau, testa sobre os joelhos, mãos nos cabelos desarrumados. Imóvel e num momento de vago realismo confesso, pondera que:
---“....afinal! unanimidade menos um, não é pra qualquer um...”
Ao levantar-se para finalmente sair pelos canteiros floridos, ela suspira dramaticamente, mas em voz alta já tranquila: “Amanhã é outro dia!”

APAGAM-SE AS LUZES DA CASA DAS ROSAS
ACENDEM-SE AS DO JARDIM E DA AVENIDA PAULISTA

NOTA: Os Anfitriões que considerarem ofensivo ou inadequado o tratamento dado a seus Convidados estão autorizadosa processar o autor.

O Baile na Casa das Rosas

Como foi que os seres imaginários chegaram ao Baile na Casa das Rosas ainda é um mistério. A explicação mais convincente é que um deles, chamado Akilah, criaturinha ligeira dotada de asas nos pés e de uma antena sensível aos anseios humanos, captou a aflição das organizadoras da festa, Karen e Sandra, e decidiu ajudá-las.

Sandra era a mais ansiosa, porque até a noite de quinta-feira, véspera do baile, não tinha recebido nenhum e-mail com texto dos escreviventes. Sentia uma certa decepção com a turma. Afinal, quando a Karen lhes anunciara a idéia de escreverem sobre um baile onde as criaturas imaginárias e seus criadores pudessem interagir, não tinham vibrado e começado a falar, todos ao mesmo tempo? Não tinha havido um alvoroço, uma revoada de idéias, um daqueles momentos que a faziam sentir saudades de quando também era do fundão? Será que os escreviventes seriam capazes de viajar no feriadão, esvaziando a festa e deixando a idéia do baile escoar pelo ralo?

Sandra não tinha percebido que estava sendo atormentada por um tal de Amiox, ser obscuro que corrói a fé e o entusiasmo das pessoas, aproveitando-se de sua distração ou insegurança.

Durante a noite, quando ela, ainda insone, se revirava na cama, Akilah saiu em mais uma de suas missões mensageiras. Ia decidido a entregar convites a todos os seres imaginários e a incitá-los a comparecer ao baile, menos Amiox. Não se sabe ao certo quais argumentos Akilah usou para atrair cada um, mas esses devem ter variado conforme o ser imaginário. Quanto ao motivo que o teria levado a excluir Amiox da lista de convidados, até dá para desconfiar: quem é que quer um estraga-prazeres em sua festa?

Ingênuo, Akilah pensava que seria assim fácil descartar Amiox. Não sabia que Amiox é como um defeito de fabricação, uma marca de nascença. Raríssimos seres humanos conseguem livrar-se dessa porção sombria de si mesmos chamada Amiox e quando conseguem, entram para a categoria dos lunáticos, quixotescos, iluminados ou santos.

Akilah voou longas distâncias naquela noite. Sobrevoou altas montanhas e entrou em profundas cavernas à procura dos Krakoshs. Acabou escutando seu canto, vindo do alto de um edifício, só de madrugada, depois de já ter cessado a busca e silenciado o coração. De todos os seres imaginários, a única impossível de achar foi Zibelina, que por ser a própria ausência, fazia-se ausente em todos os lugares da terra. Akilah só interrompeu a busca quando se lembrou que Zibelina não precisa ser convidada, ela sempre aparece.

Às 22 horas da sexta-feira, véspera de um feriado prolongado, a Avenida Paulista até que estava calma. O Anjo Extraviado vinha andando pela calçada vestido apenas de shorts, apesar do vento frio. Como não sabia ler números nem letras, procurava uma casa igual à do cartão que trazia na mão. Não seria difícil achar a casa, Akilah lhe dissera, e o Anjo conhecia bem aquela parte da cidade, quase todas as ruas. Elas eram o seu domínio, o único lugar de onde não costumavam expulsá-lo.

Então viu a casa iluminada. Olhou o cartão, olhou a casa. Era ali. Escutou música, vozes e risadas e seu coração disparou. Nunca tinha sido convidado para entrar em lugar nenhum, só lhe era permitido ficar entre as coisas e fora das coisas. Se entrasse, não seria um invasor? Ou tudo aconteceria como num sonho, como lhe prometera Akilah?

Tomou fôlego, subiu os degraus e entrou sorrateiramente na varanda, onde viu umas coisinhas redondas sentadas, ensimesmadas. O Anjo não conhecia os Os, criaturas herméticas, propensas à solidão e ao silêncio. Achou chato ficar ali com eles. Arriscou um passo em direção à entrada do salão, quando apareceu o inevitável guarda. Já ia dando meia volta, disposto a descer os degraus, quando duas moças sorridentes, segurando copos, vieram em sua direção. Uma delas disse:

__Olha, é o Anjo Extraviado! Muito prazer, Anjo, seja bem vindo. Sou a Karen, esta é a Sandra, somos as organizadoras do baile. Fomos nós que o convidamos.

Ele ficou estático. Não sabia por que ela o chamara de anjo, só sabia que estava sendo confundido com outro. Achou até melhor assim. As moças eram simpáticas e continuavam sorrindo e falando para ele entrar na sala, então estufou o peito (esse era seu jeito de tomar coragem) e pôs o pé descalço dentro da sala iluminada.

Tinha gente de montão, gente velha e gente moça, gente só segurando copos, gente falando e gente bebendo, gente subindo as escadas e gente descendo, e cada vez mais gente olhando e sorrindo para ele, olhando para ele e sorrindo. Espiou ao redor, procurando um canto, um lugar sem tantos olhos e sorrisos. Deu mais uns passos e viu que embaixo da escada não era tão iluminado nem tinha ninguém, só uma pequena estátua, bem mais bonita que as outras que ele já vira nas praças da cidade. Era uma moça de pele branquinha, tão despida e suja quanto ele, e estava meio deitada, bem à vontade, olhando a festa. Decidiu que ficaria ali com ela, era assim que queria ficar, mas antes tinha que arranjar uma comida, uma bebida.

__ Aceita um hot dog?_ disse uma moça bem baixinha ao lado dele. O Anjo nem piscou. Tirou logo dois cachorros-quentes da bandeja, enfiou-os nos bolsos dos shorts e, quando ia abocanhando o terceiro, apareceu um cara parecido com meleca que se apresentou a ele como Gororoba. O sujeito era tão xarope quanto o nome que tinha. Enquanto falava, ficava olhando (e desaprovando) o decote, as longas saias farfalhantes e os hot dogs da bandeja da baixinha.

__ Dama Rosada, _ disse Gororoba _ quero que saiba que também há comidas saudáveis nesta festa. Já providenciei bandejas de canapés integrais com cenoura ralada e rúcula, e outros com brotos de feijão e brócolis. E para quem preferir algo light, temos palitinhos de pepino e de salsão.

A Dama, que tinha uma saudável pele rosada e era do tipo rechonchudo, ajeitou os peitos, que ameaçavam saltar para fora do decote, sorriu gentilmente para o Gororoba e foi servir os outros convidados. Ela, definitivamente, não era adepta de palitinhos de salsão e pepino e sabia muito bem que todos na festa queriam mesmo era se esbaldar de comer coxinhas, pastéis, risoles e hot dogs.

Havia um cara magro, sorridente e falante que dançava todas e com todas. Era o Luís, o inventor do Brad, um cartão de crédito que enlouquece as mulheres. Durante toda a festa, o Brad ficou no bolso da camisa do Luís, sacudindo os bracinhos e pedindo para ser tirado dali, mas o Luís não lhe deu moleza. Sabia que se o Brad saísse, ele, Luís, ficaria depenado em pouco tempo, sem crédito na praça e (o que ele mais temia), sem crédito com as mulheres.

Outro cara, um elegante e rubicundo oficial da Marinha chamado Sven, não desgrudou da Bruna nem um minuto. Ficaram numa conversa animadíssima e, enquanto as canções do Gershvin tocavam, dançaram todas. Mais tarde, foram se refrescar na sacada e espiar o reflexo da lua no prédio envidraçado atrás da casa.

O melhor da festa agora acontecia lá fora. Os Krakoshs não podiam ser vistos, mas estavam em algum lugar do jardim, pois a brisa, em contato com seus corpos perfurados, produzia uma melodia de flautas.

Sentirilho, ser transparente como o ar, também era percebido no perfume suave que emanava do jardim, na luz etérea que ia revelando as miraculosas cores das rosas e as formas dos casais espalhados pelas sacadas da casa..

Sentirilho ia invadindo tudo e todos. Alguém anotou num papel uns versos que brotavam. Então, ouviu-se uma outra melodia, um som intrigante e hipnótico vindo do jardim. Era o Homus Melodicum num improviso a cinco vozes que fez a Paulista inteira emudecer e estremecer num arrepio.

Ninguém percebeu quando uns Os e uns Ss se enroscaram, mas muitos notaram Gororoba e a Dama Rosada bem juntinhos, rindo e se entendendo muito bem. Num canto escuro da sacada, Nara e Pedro se beijavam, mas há quem afirme que não eram eles e sim Amiox e Zibelina, que também estão apaixonados.

Sob a escada, o Anjo Extraviado adormecera abraçado à Vênus Vencedora. Enquanto ele sonhava os sonhos dos anjos, sua mão ainda guardava um dos seios redondos, de pele marmórea, da pequena deusa.

Concha Celestino
Escrevivendo - Seres Imaginários
Abril/ 2009

sábado, 11 de abril de 2009

Perfil dos Seres Imaginários

Akilah (aquilá) - por ser ligeiro e estar aqui e lá rapidamente.
É pequeno, cerca de trinta centímetros, e só é visto por pessoas a quem ele escolhe para prestar assistência, e mesmo assim, se a pessoa for receptiva.

Os Os - De uma inutilidade profunda, os Ós eram seres ensimesmados, herméticos, propensos à solidão. É difícil tratar-lhes como uma espécie pois cada Ó continha em si, inacessível, as possibilidades de seu silêncio. Os Ss -
Os Ss escondem-se, frequentemente, na arquitetura dos prédios barrocos e no pensamento mais fecundo. Não que sejam exatamente seres tímidos; o fato é que não concebem nenhuma demonstração explícita demais, sob o risco de serem uma ilusão, ou, mais grave, uma falácia.

Amiox - O lado obscuro de cada um que se alimenta das misérias humanas. Amiox nasce das fraquezas humanas. Mora no nosso subúrbio interno, faz parte da nossa periferia de emoções. Vive a espreita, à procura de um devaneio. Amiox vive dentro de cada um de nós, se alimenta quando falta espontaneidade, toma forma quando nos sentimos inadequados. Almeja por um momento de insegurança. Amiox não tem fé na vida.

A Dama Rosada - uma bonequinha de porcelana estilo Luis XV protetora de Patrícia, uma jovem garota recém formada em Ciências Biológicas que veio morar sozinha em São Paulo com o objetivo de especializar-se em algum ramo da biologia.

Zibelina, A Dama Onipresente - Sua forma, cor, peso e humor diferem para cada momento. Veste-se de mulher, toma forma de dinheiro, tem a importância da tranqüilidade, de inspiração, de risos e até de mim mesmo. Embora também tenha cheiro, cor, forma de solidão, tristeza, irritação e preguiça.

O Anjo Extraviado – Quando ele apareceu no bairro, vi logo que não era deste mundo. Tudo nele me leva a crer que é um anjo caído. Anjo piolhento e adolescente, de expressão meio assustada e com os esqueleto encurvado sob o peso de asas inúteis que, nós humanos, não podemos ver.

Krakosh - parece ser feito de rocha, dizem que é filho da terra com o ar. Da mãe herdou o corpo, não é grande nem pequeno, nem alto nem baixo. Do pai, o jeito de flutuar de lá para cá e para acolá. Krakosh tem a leveza da pluma e a força da rocha. Parece um galho de árvore antiga, delgado, que se abre numa pequena copa de galhos mais finos. Em cada ponta destas partes tem uma espécie de circunferência colorida, dizem ser herança do Arco-Íris, parece pedra preciosa , brilhante e facetada. São olhos de Krakosh.

Sticses - Um jovem de aparência comum, bem mais alto que eu, magro, esbelto, cabelos loiros, olhos castanhos e penetrantes, não sei precisar ao certo a sua idade.Ele se locomovia como a velocidade da luz, para ele não havia barreiras.Ele descia dos céus e voltava numa velocidade incrível ; seus pés não tocavam o chão. Ele falava comigo em pensamento, de sua boca não saía som algum, mas os seus olhos falavam tudo que seus lábios não diziam.Eu o entendia pelo pensamento.

Sven e Ronaldo- Sven, irmão mais velho da bela Carol, ofical da Marinha, supostamente alto, claro, atlético, como os demais membros da famíla. Ronaldo, grande amor de Carol, adido cultural, aparentemente um tipo bem brasileiro.

Cavalheiro das Nuvens -

Anda no céu. Enquanto ando na rua; ele aparece.
Distante e inatingível, com sua vibração inconfundível, me confunde.
Fico olhando para cima, achando que ele olha para baixo.
Não consigo identificá-lo, mas acho que anda cabisbaixo.
Como pode?! Podendo voar, olhar para quem anda a pé?

Sentirilho - ser transparente que acompanha o ar, que ganha essência nos tocando nos cinco sentidos, cada um na maneira própria de sentir. Brilho quando um raio de luz o toca. Metamorfoseando-se em cheiro quando a brisa o toca. pelo vento nos toca os cabelos e a pele. Envolve-nos pelas papilas quando um sabor da memória mexe com o paladar. Ouvido nas conversas dos ventos de rodamoinhos.

Ele nos pega de repente. Na subida de uma escada em que a luz e a sombra se alternem. Nas velocidades diferentes das correntes de ar em meio à brisa de um lago, cercado de árvores diversas. Entre as bancas das várias iguarias com temperos diferentes.

Perfil dos convidados do baile

Akilah - O nome dele é Akilah... (aquilá) por ser ligeiro e estar aqui e lá rapidamente.
É pequeno, cerca de trinta centímetros, e só é visto por pessoas a quem ele escolhe para prestar assistência, e mesmo assim, se a pessoa for receptiva.



Os Os e os Es - Os ÓsDe uma inutilidade profunda, os Ós eram seres ensimesmados, herméticos, propensos à solidão. É difícil tratar-lhes como uma espécie pois cada Ó continha em si, inacessível, as possibilidades de seu silêncio. Os Ss escondem-se, frequentemente, na arquitetura dos prédios barrocos e no pensamento mais fecundo. Não que sejam exatamente seres tímidos; o fato é que não concebem nenhuma demonstração explícita demais, sob o risco de serem uma ilusão, ou, mais grave, uma falácia.



Amiox - o lado obscuro de cada um que se alimenta das misérias humanas. Amiox nasce das fraquezas humanas. Mora no nosso subúrbio interno, faz parte da nossa periferia de emoções. Vive a espreita, à procura de um devaneio. Amiox vive dentro de cada um de nós, se alimenta quando falta espontaneidade, toma forma quando nos sentimos inadequados. Almeja por um momento de insegurança. Amiox não tem fé na vida.



A Dama Rosada - uma bonequinha de porcelana representando uma dama no mesmo estilo Luis XV que ajuda e protege Patrícia, uma jovem garota recém formada em Ciências Biológicas que veio morar sozinha em São Paulo com o objetivo de especializar-se em algum ramo da biologia.

sábado, 4 de abril de 2009

Lista de convidados para o Grande Baile na Casa das Rosas

Amiox e Nara; Dama Rosada e Do Carmo; Zibelina e Pedro; Gororoba e Sandra; Akila e Selda; Os & Esses e Fabiana; Svan & Ronaldo e Bruna; Cracochis e Ceres; Anjo Extraviado e Concha; Deus e Tiago; Benê e Sentirílio; Homus Melodius e Júlio.

Estarão presentes Livro e Dentinho? Os seres poéticos virão? E os assustadores?

Por favor confirmem sua presença e de seus convidados para o Grande Baile!

quarta-feira, 1 de abril de 2009

TERROR EM GERMINADE J. Modesto

O que tenho a dizer talvez não seja de fácil compreensão ou aceitação, para um ouvinte comum. Muitos, certamente, acreditarão que o que irei relatar não passa de uma fantástica alucinação de um maluco, aprisionado em uma ala psiquiátrica. Outros dirão que minha narrativa não passa de uma história criada para assustar crianças desobedientes. Muitos poucos, realmente, acreditarão no que relatarei.

Meu nome é Jeremias Carneiro e, desde minha infância tenho sido um sonhador, adjetivo utilizado por meus pais para, em muitas ocasiões, justificar ou disfarçar as habilidades que possuo desde tenra idade e que, só recentemente, vim, a saber, tratar-se do que chamam de mediunidade.

Foi somente quando completei meus quinze anos, em plena adolescência, que compreendi, pelo menos parcialmente, o que significava possuir tal poder, que alguns chamam de Dom, e que para mim não passa de uma Maldição.Você gostaria de saber porque o considero uma Maldição? Pois bem, revelarei o que está ao alcance da minha compreensão e que, acredito, ser possível relatar, pois, acredito eu, que algumas coisas devam se conservar ocultas.

Minha aventura começou numa de minhas férias escolares, quando fui deixado aos cuidados de um dos meus tios, único irmão de meu pai, que morava numa pequena fazenda, na periferia do município de Germinade. Não sabe onde fica Germinade? Bem, na verdade você não é o único. Germinade é um pequeno município localizado a pouco mais de 200 quilômetros de Belo Horizonte, Capital do Estado de Minas Gerais. Se você procurar nos jornais da região, verá que o local, onde se localiza a cidade, é conhecida pelos estranhos fenômenos que por lá acontecem, até hoje.Como sei disso trancado aqui? É muito simples, meu amigo! Acompanho os acontecimentos através dos exemplares do “Gazeta de Germinade”, que recebo regularmente! Como consigo? Utilizando um pouco da minha grande capacidade de encenação, é claro! Convenci o psiquiatra responsável de que sou um caso muito especial, que poderá revolucionar a psiquiatria e, conseqüentemente, trazer-lhe fama e dinheiro. Como? Bem, isto é uma longa história que deixaremos para outro dia. Apenas é necessário saber que, utilizando-me te tal estratagema, convenci-o de que a leitura de tal periódico tem grande influência sobre meu comportamento. Uma inverdade, é claro, mas que o querido doutor não precisa saber. Mas voltemos a nossa história. Como disse, encontrava-me de férias na fazenda de meu tio e, como era inevitável, acabei tomando conhecimento, durante minhas incursões à cidade, dos estranhos fenômenos que aconteciam na região, em especial, à leste, durante a noite.A Leste de Germinade, as montanhas se tornavam abruptas, com vales e densas florestas, pouco exploradas pelos habitantes da região. Lá se podem encontrar inúmeras ravinas e trilhas estreitas, onde as árvores crescem sobre encostas rochosas e de inclinações surpreendentes. Na periferia de tal floresta, encontram-se encostas mais suaves e terrenos bem mais planos. E é num desses terrenos que se assentam fazendas antigas e com construções feitas em madeira ou pedras nativas.

Uma dessas fazendas é a que pertence ao meu tio e onde estava passando minhas férias, razão que explica minha incredulidade nas histórias que ouvia, pois, estando ali, nada vira que pudesse chamar de estranho. Contudo, numa tarde de sol escaldante, finalmente me deparei com algo que pude classificar, no mínimo, como inacreditável. Era época das frutas e das colheitas. As pêras e laranjas amadureciam lentamente e os pomares produziam como nunca antes. Os frutos alcançaram formas e tamanhos exuberantes e nasciam em tamanha abundância que meu tio, contentíssimo com a sua produção agrícola, precisou encomendar barris extras para acomodar toda a safra. Depois de vários anos de penúria e colheitas ruins, iria, finalmente, pagar todas as dívidas e ainda sobraria um dinheirinho pra aguardar. Neste dia, meu tio e seus dois filhos, meus primos, juntamente comigo, estavam colhendo laranjas, quando, de repente, o céu começou a ficar carregado de nuvens negras, que se moviam de forma estranha. O que quero dizer com “estranha”?

Todos nós já, algum dia de nossas vidas, deitamo-nos ao ar livre e ficamos admirando as nuvens do céu, não é verdade? Pois bem, em todas essas vezes sempre víamos elas se moverem lentamente, todas em conjunto, na mesma direção. Naquele dia, na fazenda de meu tio, as nuvens moviam-se de forma aleatória e independente, como se tivesse vontade própria. O céu foi escurecendo e pode-se ouvir o som de trovões ao longe, anunciando uma tempestade. Sem explicação, meu tio, como meus primos, pareceu apavorado e, aos gritos, correram em direção a casa, pedindo para que eu os acompanhasse. Meio atordoado com a surpreendente e estranha reação de meus familiares, não resisti e os acompanhei. Rapidamente chegamos aos fundos da casa onde Tio José puxou, com a ajuda de meus primos, uma grande lona que revelou, escondido por baixo, um alçapão, o qual dava acesso a uma espécie de porão por sob a casa. Tio José abriu, apressadamente, o alçapão pedindo que entrássemos o mais rápido possível. O pavor estampado em seu rosto era quase que palpável e, quando meus primos começaram a descer os degraus de madeira, dei uma última olhada ao redor. Minha visão pousou sobre a floresta onde vislumbrei uma estranha névoa, que se embrenhava por entre a vegetação e as montanhas, como uma serpente rastejante, rumando em nossa direção. O céu já havia assumido uma cor enegrecida e relâmpagos avermelhados, tal como sangue, começaram a cortar o firmamento. Era uma cena, ao mesmo tempo, maravilhosa e aterradora.

Fui tirado de minha letargia por um forte puxão de tio José que me fez descer até o sótão, juntamente com ele, e fechou as portas. No interior do recinto, pude ver com maior detalhe, os robustos ferrolhos, dobradiças e travas metálicas que foram acionadas, fechando a entrada, como se fosse impedir o ingresso de uma manada de elefantes descontrolados. A única lâmpada, pendurada pela própria fiação, no meio do teto, começou, estranhamente, a falhar e, ainda meio perdido na situação, vi meus primos apanharem duas lamparinas a querosene e acenderem, no exato momento em que a luz se apagou.

Os sons estranhos que se seguiram eram irreconhecíveis. Por mais que tentasse, não conseguia relacioná-los com nada que conhecia. Alguns sons eram facilmente identificáveis, sendo o mais nítido, o barulho do vento forte açoitando a casa sobre nós. Podíamos ouvir as janelas batendo fortemente, vidros sendo quebrados e os trovões ensurdecedores demonstrando todo o seu poder sonoro. Subitamente, a tempestade chegou, e com ela o silêncio. Apenas o barulho forte da água que descia do céu. Tentei dizer algo, mas fui silenciado com um gesto ríspido de meu tio que sussurrou, num tom suficiente para que apenas eu e meus primos o ouvíssemos. “Eles chegaram!”, foi à frase.

Não sei por quanto tempo perdurou aquele silêncio opressivo, mas posso te dizer que o sentimento de pavor reinante ali me deixara apreensivo e curioso. Não entendia o porque de tudo aquilo e confesso que cheguei a pensar que meu tio, juntamente com meus primos, havia enlouquecido, mas o que se seguiu fez-me repensar a situação.

O som de uma das portas da casa se abrindo foi ouvido, apesar do barulho da tempestade. Não me foi difícil saber qual das portas, pois o ranger que fora produzido permitiu a todos identificar como sendo a da entrada da cozinha.

Apreensivos e em silêncio, acompanhamos o som de passos, no pavimento acima. Não eram passos comuns. Eram fortes e produziam um som metálico. Seja o que for, era pesado o suficiente para fazer o piso de madeira ranger diante de sua passagem.

De repente ouvimos sons que pareciam sibilos iguais aos dos lagartos e cobras, facilmente encontrados na região, só que num tom bem mais alto. Outros passos surgiram, confirmando que havia mais de um, seja lá o que fosse.

Com o passar do tempo, a terrível conclusão que vinha, gradativamente, se instalando em minha mente confusa e relutante era fantástica demais para que fosse levada em consideração, mas era a que se solidificava. A impressão que tinha era a de que nunca mais iria contemplar a luz abençoada do dia e nem correria os olhos pelos montes e vales aprazíveis do mundo exterior. Como que por mágica, a esperança parecia ter partido sem que eu conseguisse entender o porquê.

Permanecemos em silêncio e movemo-nos o mínimo possível, por muito tempo. Não sei precisar o quanto, mas seja o quanto for, posso-lhe afirmar que pareceu-me uma eternidade. Entretanto, doutrinado pela força de minha juventude e racionalidade, não deixei de sentir uma grande satisfação de minha conduta desapaixonada, pois, apesar do clima tenso e apavorante, que certamente provocaria um colapso emocional em muitas pessoas, isso não me aconteceu. Lembro de examinar aquele singular aposento e sentir crescer a aversão que a visão da paisagem externa me causara, pouco antes de nos abrigarmos ali. Não saberia dizer-lhe, ao certo, o que temia ou me repugnava, mas alguma coisa em toda a atmosfera lembrava-me coisas hediondas. Comecei a vaguear, examinando tudo a minha volta, mas procurando manter o silêncio exigido por meu tio.

Aquela situação perdurou por tanto tempo que, vencidos pelo cansaço, acabamos por adormecer. Quando despertamos, já não mais se ouvia os estranhos sons de outrora. A tempestade havia parado e, como por encanto, o clima pesado e nefasto se dissipara.

Após um certo tempo escutando, com o ouvido colado à porta do alçapão, tio José pareceu dar-se por satisfeito e, dizendo “Eles se foram!”, abriu as trancas, deixando a passagem para o exterior, livre. Ao subir as escadas de madeira, jamais poderia imaginar o que meus olhos vislumbrariam poucos metros depois. De pé, ao lado de meus parentes, admirei a paisagem completamente inusitada que se mostrava a meus olhos. Espalhados pelos campos, podiam-se ver os esqueletos, perfeitos e imóveis, dos animais da fazenda, em pé, no local onde os mesmos deveriam, supostamente, estar quando os fenômenos começaram. Caminhando com cautela, pude verificar que nada vivo, além de nós quatro, foi encontrado na fazenda. Admirei-me com o fato de, no galinheiro, onde antes havia um galo premiado e quase uma dúzia de galinhas, agora restava, apenas, esqueletos em pé, tal qual encontramos nos pastos. Curioso, aproximei o dedo de um deles, sendo advertido por meu tio, tardiamente. Os ossos, instantaneamente, transformaram-se em pó, ao meu toque, tal qual os lendários vampiros quando expostos a luz do sol. Outra coisa que notei, fora a ausência de vidros. Todos haviam desaparecidos por completo, sem deixar qualquer indício de sua existência.

Questionando meu tio, que certamente sabia de mais coisa sobre o que acontecera do que havia dito, fui surpreendido com o silêncio e uma recusa velada em falar sobre o assunto. Foi neste instante que me recordei das histórias que ouvira, esparsamente, durante minha estadia na cidade. (pausa) Calma, meu amigo! Deixe-me tomar um pouco de água para umidificar a garganta seca, antes de continuar... (pausa)Bem! Onde parei mesmo?... Ah, sim!

As pessoas acreditavam que, durante essas estranhas tempestades, criaturas sobrenaturais desciam dos céus para a terra, espalhando a morte e a destruição. Nos relatos que ouvi, entre uma bebedeira e outra, tal crença pareceu-me enraizada na comunidade, pois, mesmo dominados pelo poder do álcool, seus narradores expunham histórias muito semelhantes umas com as outras.

Nos dias que se seguiram, impus árdua pesquisa, encontrando, com relativa facilidade, através de recortes de jornais e manuscritos antigos, relatos de outros casos estranhos ocorridos na região, em sua maioria, nas proximidades da misteriosa floresta, localizava-se, contigüamente, a fazenda de meu tio, o qual manteve silêncio até sua morte, alguns anos após o fato que estou lhe relatando. Apesar de, à época, ser uma pessoa cética e extremamente racional, não conseguia, através de minhas limitadas investigações, encontrar explicações plausíveis para os fatos que presenciei, muito pelo contrário. Quanto mais investigava, mais interrogações foram se acumulando.

O mais intrigante, além dos esqueletos dos animais mortos, era a existência de estranhas marcas disformes, no chão lamacento, as quais supus serem pegadas, bem como curiosos círculos nos campos, onde, em torno dos quais a grama desaparecera. Isto sem contar o fato das laranjas, somente as laranjas, ainda nos pés, estarem totalmente ressecadas, com aparência semelhante à maracujás maduros.

Dos relatos que encontrei, o mais antigo datava de 1830, donde conclui que tais fenômenos não eram recentes e obedeciam a uma certa periodicidade. Nas conversas que tive, posteriormente, com amigos, que cultivei em minha estadia, e meus primos, estes bem mais acessíveis em relação ao assunto que meu tio, tentei, de forma inútil, buscar explicações racionais para o ocorrido.

Por mais que encontrasse uma explicação aceitável para alguns dos fenômenos, sempre acabava perdendo a discussão quando eram mencionados os esqueletos. Por mais que tentasse, não conseguia explicar, de forma convincente, o que acontecera. Quando o dia final de minha estadia em Germinade chegou ainda possuía muitas perguntas sem respostas, respostas essas que perseguiria por quase toda a minha vida e que, por fim, acabaria por me conduzir até este abrigo em que agora me encontro, o qual muitos dão o nome de Manicômio.

Não me espanta, meu amigo, seu relato de que, novamente, tais acontecimentos estranhos estão se desenrolando naquela região. Quem sabe, agora, com os recursos e conhecimentos que tem à sua disposição, possa encontrar as respostas que me faltaram. Espero que De...

Julio Ramirez apertou um dos botões, fazendo a reprodução da gravação cessar. Já era a sétima vez em que ouvira aquele relato, procurando alguma informação que pudesse ser útil. Seu parceiro, Roberto De Falcon, observava, através de uma das janelas do pavimento superior, do prédio da delegacia de Germinade, o estranho fenômeno se desenvolvendo no horizonte. Aquela situação já perdurava quase três dias inteiros, sem que os especialistas conseguissem descobrir o que estava acontecendo. Nuvens carregadas, e de comportamento anormal, pairavam por sobre toda a região leste da cidade, local onde se localizava a floresta e a fazenda citada na gravação que tinham acabado de ouvir.

Apreensivo, Ramirez levantou-se e se aproximou do parceiro, passando, também, a observar o apavorante comportamento da mãe natureza. Um calafrio percorreu-lhe a espinha quando, em meio ao céu enegrecido, ouviu-se o estrondo de poderosos trovões, fazendo-o lembrar-se das experiências desagradáveis que a dupla tivera com o chamado Sobrenatural, mas que, de forma nenhuma, aproximava-se da grandiosidade daquilo que se movia no céu de Germinade. De Falcon suspirou, inconscientemente, e Ramirez, sentindo os pelos da nuca se eriçarem, pressentiu algo ruim e extremamente maléfico, sobre o ambiente, enquanto relâmpagos avermelhados cortavam o ar. De fato, aquilo lhe dava a certeza de que Jeremias Carneiro estava de posse de seu juízo perfeito. Cruzando as ruas desertas da cidade, os dois puderam vislumbrar o comboio militar que se dirigia ao encontro do inexplicável. Gotas de chuva começaram a cair sobre a cidade, chocando-se contra o parapeito da janela da delegacia. Ramirez, imediatamente, percebeu que algo estava errado. As gotas de água estavam diferentes, possuíam uma cor inusitada. Eram vermelhas, vermelhas como os fortes e luminosos Relâmpagos de Sangue. Sem sombra de dúvidas, o Fim do Mundo estava chegando e a porta de entrada chamava-se Germinade.

Luna Errante - Giulia Moon

Sim, sou uma errante. Viajo na normalidade entre os ciclos lunares. Mas mergulho num poço escuro e incômodo durante alguns dias do mês, como a menstruação feminina. É quando me ergo sobre duas pernas e ando como os humanos. Estranho mundo, o deles. Era para lá que eu ia nos períodos em que a mutação me permitia cruzar o limite entre a besta e o homem, o grande predador. Perto dele, eu e os outros bichos éramos um nada. Comemos a carne e lambemos o sangue. Mas o homem toma a alma.
Eu me cobria com um vestido de algodão azul e penteava os longos cabelos negros quando a hora da mutação chegava. Depois ficava na beira da estrada, esperando o primeiro homem se aproximar. O cheiro de sexo permanecia impregnado nos meus pêlos, os poucos que sobravam depois da mutação. Logo os humanos chegavam, olhando de lado e atentando para tudo ao redor. A minha aparência os agradava. Eram ariscos. Matreiros. Pegavam na minha mão, diziam coisas com a voz suave. Traziam doces que compravam na vendinha da beira da estrada. Gostavam de passar os dedos entre os meus cabelos. Queriam beijar. Em troca, compravam a carne de que gosto. Arranjavam a cerveja que eu bebericava, morna. Fazíamos sexo. Depois, iam embora para nunca mais voltar.
Faz um tempo, encontrei um homem diferente. Ele tinha olhos de um negror intenso, como as noites de lua nova na floresta. A pele tinha a cor dos doces que chamam de pé-de-moleque. Era bom o seu cheiro de suor. Mordi as suas costas e lambi a sua mão. Ele riu e me chamou de nomes. Alguns, ternos, outros, cheios de malícia e desejo. Eu, que nada possuía, chamei-o apenas de meu. Meu homem. Aninhei-me sobre o sol glorioso que ele trazia tatuado no peito. Em seus braços, dormi uma noite inteira sem sonhar com a mata, o barulho da água do riacho e dos bichos da floresta. Ele falou-me dos seus desejos. Do amanhã e do depois de amanhã. Falou de partir para uma vida além da estrada, para a cidade grande, onde meus olhos não podiam alcançar. Pegou a minha mão e a beijou. Por ele, eu quase esqueci que era uma errante e que a hora de partir ia chegar, um dia.
Como sempre, o ciclo mensal acabou junto com a lua cheia. Pela primeira vez, chorei quando as minhas quatro patas voltaram a tocar no chão. Deixei o meu homem. E voltei para a floresta.
Do meu esconderijo, ouvi-o chamar por mim. Durante dias, senti a sua presença na parte menos densa da mata, rondando e procurando. Uivava como um animal doente. Suplicava pela volta do amor perdido. Mas pouco a pouco o seu cheiro foi se tornando mais fraco, até desaparecer por completo entre o odor das folhas ao vento, dos insetos e da chuva. E eu voltei a correr pela mata à noite, junto com outros irmãos selvagens. Eles não eram errantes como eu. Não se entristeciam com a lembrança do sol tatuado num peito moreno. Não tinham saudades de algo que não voltava mais.
Não retornei à estrada nas noites de lua cheia. Embrenhei-me mais e mais fundo na floresta. Fiquei muito tempo sem me aproximar dos homens. Acasalei-me com um grande lobo vermelho e fiquei prenha. Nasceram sete pequenos errantes como eu.
No entanto, eu não alcançava a paz, a noite bem dormida, o prazer de correr na escuridão sem luar. A imagem nebulosa do homem da pele cor de terra assombrava a minha mente. Fazia a minha alma doer. Foi por isso que, mais uma vez, resolvi colocar o vestido azul, já roto e gasto pelo tempo, e caminhar com os dois pés até a estrada dos homens.
A paisagem mudara. Havia muitos carros, as minhas narinas ressentiam-se da fumaça que expeliam. A vendinha na beira da estrada continuava ali, cheia como sempre. Eu estava assustada. Havia perdido a familiaridade com os homens, seus objetos, sua língua. Mas queria, acima de tudo, reencontrar o meu homem. Enchi-me de coragem e me aproximei da porta estreita e iluminada. Entrei no espaço apertado e caminhei entre velhas mesinhas de metal.
O cheiro de urina velha pairava no ar, misturado com odores de cerveja, cachaça e fritura. Logo as conversas cessaram. Olhos hostis me observavam, atentos. Eu farejava o ar com ansiedade. Procurava pelo cheiro dele. Não. O meu homem não estava por perto. Fiquei com medo. E se ele houvesse partido para longe? Para a cidade além do horizonte? Machos cheios de desejo se cutucavam uns aos outros. A minha roupa em farrapos os incomodava. O meu corpo vigoroso e saudável os excitava. Um deles grunhiu algo na minha direção. Depois um outro. Começaram a se levantar devagar, os olhos fixos em mim.
Então, um homem velho se ergueu e disse algo em minha defesa, acalmando-os. Mas aquele que falara primeiro continuava disposto a me atacar. Ele saiu do seu canto e avançou na minha direção, mas o velho acertou-o com a bengala, abrindo uma fenda na sua testa. O sangue jorrou, abrindo o dique que continha os ânimos. Os amigos do ferido arremeteram e surraram o homem velho, apesar das minhas súplicas. Quando a noite terminou, eu estava na sarjeta, mergulhada numa poça de lama, sangue e lixo. Ao meu lado, jazia o velho ferido. No seu peito, sob a camisa entreaberta, havia um sol tatuado, quase apagado. Eu havia reencontrado o meu homem. Antes, só sentia o forte odor da cachaça. Agora, no seu sangue, eu percebia um resquício do cheiro antigo, saudoso, do homem viril que já não existia mais. O tempo havia passado muito rápido para ele. Aprendi que o tempo para os errantes andava mais devagar.
Recolhi o meu homem, envelhecido e doente, e o levei até o seu barraco humilde. Ele não me reconheceu em nenhum momento, para ele eu era apenas uma prostituta grata pelo seu último gesto de cavalheiro. Meu pobre homem. Seus dentes estavam podres e fracos. Sua pele flácida era seca como um pano velho. Uma doença ruim corroía o seu estômago e o atormentava com fortes dores. Ele admitiu, sorrindo com a boca ferida, que estava à beira da morte. Jamais deixara a estrada e o seu lugar na mesa da vendinha, onde prestava pequenos serviços durante o dia e passava as noites bebendo. O sonho de conquistar o futuro e partir para a cidade grande havia murchado junto com seu corpo.
No segundo dia, o meu homem teve uma surpresa. Fui até a sua cama e enfiei-me sob as cobertas. Sorri ao notar num homem tão velho um resto de pudor ao expor-se para uma mulher jovem. Mas ele entendeu que eu o queria. E que ele merecia o meu querer. Aceitou as minhas carícias, enternecido. Em alguns momentos quedou-se, pensativo, talvez tocado por alguma lembrança remota de uma outra mulher que amou. Uma mulher de vestido azul de algodão que desapareceu certa noite, junto com a lua cheia. Bebemos cerveja. Ofereci-lhe comida, que arranjei com outros homens na estrada. Depois ele adormeceu, feliz.
No terceiro dia conversamos até o sol se pôr. O meu homem estava alegre, queria sair daquele lugarejo, partir para onde os olhos não alcançavam, recomeçar a sua vida. Mas as dores que o prostravam diziam que não, que ele não duraria mais do que algumas poucas horas. E a cara branca no céu diminuía, avisando que já era hora de uma errante voltar para a floresta. Eu precisava partir. O tempo passava rápido para nós dois.
Mas não fui embora. Permaneci ao seu lado. Durante a madrugada, a transformação começou. Garras surgiram nos meus dedos. Minha boca rasgou-se para acomodar os dentes brancos e brilhantes. Músculos poderosos recobriram os meus ossos. O animal selvagem despertou. O meu homem viu tudo com os olhos arregalados, em meio ao delírio da febre. Ele estava morrendo. Eu podia ver as sombras avançando sobre o seu corpo, transformando-o aos poucos em matéria sem vida. Já vira isso nos animais, mas era pior com os homens. Ele gritava, horrorizado com a morte próxima. Com as dores que o torturavam. Com a minha aparência. Então deitei-me, na minha forma de uma grande errante branca, sobre o seu peito maltratado. Sorri, mostrando os meus caninos. Naquele instante, todo o amor do universo estava dentro de mim.
Abocanhei o seu pescoço e apertei, rápido, as minhas mandíbulas. Ele agitou-se um pouco antes de aquietar-se para sempre.
Naquela noite, alimentei-me com a carne do meu homem. Consumi o seu corpo, trazendo-o para dentro do meu, cada gota do seu sangue, cada pedaço de seus músculos, nervos, tendões. Nada deixei para os vermes. Ao amanhecer, enterrei seus ossos longe dali, no limiar da mata. E uivei. Um uivo meio animal, meio humano, como jamais fora ouvido. O meu lamento correu pela floresta, percorreu os campos e ecoou nos ouvidos dos homens, que choraram, embora não soubessem o porquê.
Voltei para a mata e para os meus filhotes. Jovens errantes que vão crescer e vaguear entre os homens uma vez a cada mês, quando a grande cara branca surgir no céu. Talvez eu os ensine a nunca se aproximarem dos homens. O ser humano é o grande predador. Perto dele, nós, os errantes, somos um nada. Comemos a carne e lambemos o sangue. Mas o homem... Ah, ele toma a alma!

O conto “Luna Errante” faz parte da coletânea “A Dama-Morcega” (Landy Editora, 2006).

sexta-feira, 27 de março de 2009

Sobre os convidados do dia 4 de abril de 2009

No escrevivendo Seres Imaginários, bate papo com:

Ednei Procópio
Diretor da Giz Editorial, editora que já publicou diversas obras de ficção científica e literatura fantástica como "Anhangá", "Renascimento", "Getsêmani" e "Amor Vampiro". A coleção Universo Fantástico e o site homônimo, também são frutos de seu trabalho nessa jovem editora paulista.

A Giz Editorial é uma empresa jovem cujos diretores somam juntos anos de experiência em comunicação editorial. A missão da Giz Editorial é ajudar o autor a atingir o sucesso com os leitores. É fazer com que o autor tenha cada vez mais leitores e apreciadores de seus textos. A Giz Editorial está sempre focando o seu trabalho no mercado editorial como catalisador dos seus objetivos.

Giulia Moon
é paulistana, já foi diretora de arte, ilustradora, diretora de criação e sócia de agência de propaganda. Giulia tem três coletâneas de contos publicadas: Luar de Vampiros (Scortecci, 2003), Vampiros no Espelho & Outros Seres Obscuros (Landy, 2004) e A Dama-Morcega (Landy, 2006). Em 2008 lançou com mais seis autores o livro de contos Amor Vampiro (Giz Editorial). Seu primeiro romance, Kaori – Perfume de Vampira, deverá sair em meados de 2009. Sempre na área de literatura fantástica, edita o fanzine FicZine e é co-editora da Scarium Megazine. Para saber mais, acesse www.giuliamoon.com.br.

J. Modesto
J. Modesto é o mais novo nove da Literatura Fantástica Nacional. Fã ardoroso deste gênero da Literatura, formado Arquiteto e Urbanista pela Faculdade de Belas Artes de São Paulo, abandonou suas pranchetas para enveredar pela ficção. Dentre suas influências está seu maior ídolo, H. P. Lovecraft, sguido de nomes importantes como Bram Stoker, Stephen King, Anne Rice, Mary Shelley e Edgar Alan Poe. Fã confesso de HQ e Literatura de Terror e Suspense, estreou no cenário literário em 2006, com a obra TREVAS, tendo uma grande aceitação do público. Participou da antologia AMOR VAMPIRO, juntamente com outros grandes nomes da Literatura Fantástica Nacional (André Vianco, Nelson Magrini, Giulia Moon, Adriano Siqueira, Regina Drummond e Martha Argel), tendo um de seus contos (O Anjo e a Vampira) fascinado vários leitores e fãs. Seu livro mais recente é ANHANGÁ - A FÚRIA DO DEMÔNIO, onde trata, numa temática adulta e mergulhada no gênero literário que abraçou, o folclore nacional e indígena, recebendo elogios pela vasta pesquisa que realizou ao preparar sua história. Atualmente, prepara seu proximo livro e administra, juntamente com os escritores Nelson Magini e James Andrade o site FONTES DA FICÇÃO (www.fontesdaficcao.com), onde publica contos inéditos, participando e organizando, também encontros de debates sobre Literatura Fantástica em parceria com a GIZ EDITORIAL e a LIVRARIA MARTINS FONTES, chamados ENCONTROS FONTES DA FICÇÃO.

FONTES DA FICÇÃO

Sábado, dia 28/03/2009, as 14h 30min, acontece o 3º Encontro FONTES DA FICÇÃO, cujo tema abordará o processo de criação de um texto de Literatura Fantástica, da idéia ao original pronto a ser encaminhado a editora. Os autores que administram o FONTES DA FICÇÃO, irão expor suas experiencias pessoais. Não deixem de ir.

3º ENCONTRO FONTES DA FICÇÃO
Tema: Fontes da Criação
Local: Livraria Martins Fontes
End: Av. Paulista, 509
Horário: das 14h 30min as 17h 00min

sexta-feira, 20 de março de 2009

Jaguadarte - Traducao Augusto de Campos

Era briluz.
As lesmolisas touvas roldavam e reviam nos gramilvos.
Estavam mimsicais as pintalouvas,
E os momirratos davam grilvos.
"Foge do Jaguadarte, o que não morre!
Garra que agarra, bocarra que urra!F
oge da ave Fefel, meu filho, e corre
Do frumioso Babassura!"
Ele arrancou sua espada vorpal
e foi atras do inimigo do Homundo.
Na árvore Tamtam ele afinal
Parou, um dia, sonilundo.
E enquanto estava em sussustada sesta,
Chegou o Jaguadarte, olho de fogo,
Sorrelfiflando atraves da floresta,
E borbulia um riso louco!
Um dois! Um, dois! Sua espada mavorta
Vai-vem, vem-vai, para tras, para diante!
Cabeca fere, corta e, fera morta,
Ei-lo que volta galunfante.
"Pois entao tu mataste o Jaguadarte!
Vem aos meus braços, homenino meu!
Oh dia fremular! Bravooh! Bravarte!"
Ele se ria jubileu.
Era briluz.
As lesmolisas touvas
Roldavam e relviam nos gramilvos.
Estavam mimsicais as pintalouvas,
E os momirratos davam grilvos.

Bibliografia

Bibliografia Escrevivendo Seres Imaginários

BENJAMIN, Walter. O narrador - considerações sobre a obra de Nicolai Leskov. In: Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1993.

CAMARGO, Thaís Nicoleti de. Uso da vírgula. São Paulo: Manole, 2005.

CANDIDO, Antonio. A literatura e a formação do homem. In: Ciência e cultura, 24(9), p.803-9, set. 1972.

CANDIDO, Antonio. O direito à literatura. In: Vários escritos. São Paulo: Duas Cidades, 1995.

GARCEZ, Lucília Helena do Carmo. Técnica de redação - o que é preciso saber para bem escrever. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

HOUAISS, Antonio. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999.

MACIEL,Maria Esther.A memória das coisas.Rio deJaneiro:Lamparina editora,2004.

MARTINS, Eduardo. Com todas as letras - o português simplificado. São Paulo: Moderna, 2000.

sexta-feira, 13 de março de 2009

Uma vez Escrevivente...

Sempre Escrevivente!

Um ano escrevivendo e muitas mudanças acontecendo. Melhorei minha escrita, estudei bastante, cresci, li sem parar e, o melhor de tudo, não parei de escreviver.

Não conheci pessoas interessantes, apenas as reencontrei.

Quando alguém diz: - Vá procurar sua turma! - a melhor coisa a fazer é ir mesmo. Então, você se sente um pedaço dela, não pode mais ficar sem. Passei de escrevivente à mediadora, senti a responsabilidade, mas Karen está com a gente com seu jeito democrático de quem sabe o que está fazendo. Essa é mais uma oportunidade de aprender e crescer com a experiência.

Até amanhã!
bedjo
san

sexta-feira, 6 de março de 2009

As cartas do Tarot

As cartas de Tarô surgiram entre os séculos XV e XVI, e foram criadas para um jogo de mesmo nome, que era jogado pelos nobres e pelos senhores das casas mais tradicionais da Europa continental.
O tarô (também conhecido como tarot, tarocchi, tarock e outros nomes semelhantes) é caracteristicamente um conjunto de setenta e oito cartas composto por vinte e um trunfos, um curinga e quatro conjuntos de naipes com quatorze cartas cada — dez cartas numeradas e quatro figuras (uma a mais por naipe que o baralho lusófono).
As cartas de tarô são muito usadas na Europa em jogos de cartas, como o Tarocchini italiano e o Tarô francês. Nos países lusófonos, onde esse jogo é bastante desconhecido, as cartas de tarô são usadas principalmente para uso divinatórios, para o qual os trunfos e o curinga são conhecidos como arcanos maiores e as cinqüenta e seis cartas de naipe são arcanos menores. Os significados divinatórios são derivados principalmente da Cabala — vertente mística do judaísmo — e da alquimia medieval.