Primeiro Workshop do Escrevivendo

Primeiro Workshop do Escrevivendo
Foi com sucesso que a Casa Das Rosas apresentou o workshop sobre o projeto Escrevivendo. Quem foi, adorou!

sexta-feira, 8 de maio de 2009

O Baile na Casa das Rosas

Como foi que os seres imaginários chegaram ao Baile na Casa das Rosas ainda é um mistério. A explicação mais convincente é que um deles, chamado Akilah, criaturinha ligeira dotada de asas nos pés e de uma antena sensível aos anseios humanos, captou a aflição das organizadoras da festa, Karen e Sandra, e decidiu ajudá-las.

Sandra era a mais ansiosa, porque até a noite de quinta-feira, véspera do baile, não tinha recebido nenhum e-mail com texto dos escreviventes. Sentia uma certa decepção com a turma. Afinal, quando a Karen lhes anunciara a idéia de escreverem sobre um baile onde as criaturas imaginárias e seus criadores pudessem interagir, não tinham vibrado e começado a falar, todos ao mesmo tempo? Não tinha havido um alvoroço, uma revoada de idéias, um daqueles momentos que a faziam sentir saudades de quando também era do fundão? Será que os escreviventes seriam capazes de viajar no feriadão, esvaziando a festa e deixando a idéia do baile escoar pelo ralo?

Sandra não tinha percebido que estava sendo atormentada por um tal de Amiox, ser obscuro que corrói a fé e o entusiasmo das pessoas, aproveitando-se de sua distração ou insegurança.

Durante a noite, quando ela, ainda insone, se revirava na cama, Akilah saiu em mais uma de suas missões mensageiras. Ia decidido a entregar convites a todos os seres imaginários e a incitá-los a comparecer ao baile, menos Amiox. Não se sabe ao certo quais argumentos Akilah usou para atrair cada um, mas esses devem ter variado conforme o ser imaginário. Quanto ao motivo que o teria levado a excluir Amiox da lista de convidados, até dá para desconfiar: quem é que quer um estraga-prazeres em sua festa?

Ingênuo, Akilah pensava que seria assim fácil descartar Amiox. Não sabia que Amiox é como um defeito de fabricação, uma marca de nascença. Raríssimos seres humanos conseguem livrar-se dessa porção sombria de si mesmos chamada Amiox e quando conseguem, entram para a categoria dos lunáticos, quixotescos, iluminados ou santos.

Akilah voou longas distâncias naquela noite. Sobrevoou altas montanhas e entrou em profundas cavernas à procura dos Krakoshs. Acabou escutando seu canto, vindo do alto de um edifício, só de madrugada, depois de já ter cessado a busca e silenciado o coração. De todos os seres imaginários, a única impossível de achar foi Zibelina, que por ser a própria ausência, fazia-se ausente em todos os lugares da terra. Akilah só interrompeu a busca quando se lembrou que Zibelina não precisa ser convidada, ela sempre aparece.

Às 22 horas da sexta-feira, véspera de um feriado prolongado, a Avenida Paulista até que estava calma. O Anjo Extraviado vinha andando pela calçada vestido apenas de shorts, apesar do vento frio. Como não sabia ler números nem letras, procurava uma casa igual à do cartão que trazia na mão. Não seria difícil achar a casa, Akilah lhe dissera, e o Anjo conhecia bem aquela parte da cidade, quase todas as ruas. Elas eram o seu domínio, o único lugar de onde não costumavam expulsá-lo.

Então viu a casa iluminada. Olhou o cartão, olhou a casa. Era ali. Escutou música, vozes e risadas e seu coração disparou. Nunca tinha sido convidado para entrar em lugar nenhum, só lhe era permitido ficar entre as coisas e fora das coisas. Se entrasse, não seria um invasor? Ou tudo aconteceria como num sonho, como lhe prometera Akilah?

Tomou fôlego, subiu os degraus e entrou sorrateiramente na varanda, onde viu umas coisinhas redondas sentadas, ensimesmadas. O Anjo não conhecia os Os, criaturas herméticas, propensas à solidão e ao silêncio. Achou chato ficar ali com eles. Arriscou um passo em direção à entrada do salão, quando apareceu o inevitável guarda. Já ia dando meia volta, disposto a descer os degraus, quando duas moças sorridentes, segurando copos, vieram em sua direção. Uma delas disse:

__Olha, é o Anjo Extraviado! Muito prazer, Anjo, seja bem vindo. Sou a Karen, esta é a Sandra, somos as organizadoras do baile. Fomos nós que o convidamos.

Ele ficou estático. Não sabia por que ela o chamara de anjo, só sabia que estava sendo confundido com outro. Achou até melhor assim. As moças eram simpáticas e continuavam sorrindo e falando para ele entrar na sala, então estufou o peito (esse era seu jeito de tomar coragem) e pôs o pé descalço dentro da sala iluminada.

Tinha gente de montão, gente velha e gente moça, gente só segurando copos, gente falando e gente bebendo, gente subindo as escadas e gente descendo, e cada vez mais gente olhando e sorrindo para ele, olhando para ele e sorrindo. Espiou ao redor, procurando um canto, um lugar sem tantos olhos e sorrisos. Deu mais uns passos e viu que embaixo da escada não era tão iluminado nem tinha ninguém, só uma pequena estátua, bem mais bonita que as outras que ele já vira nas praças da cidade. Era uma moça de pele branquinha, tão despida e suja quanto ele, e estava meio deitada, bem à vontade, olhando a festa. Decidiu que ficaria ali com ela, era assim que queria ficar, mas antes tinha que arranjar uma comida, uma bebida.

__ Aceita um hot dog?_ disse uma moça bem baixinha ao lado dele. O Anjo nem piscou. Tirou logo dois cachorros-quentes da bandeja, enfiou-os nos bolsos dos shorts e, quando ia abocanhando o terceiro, apareceu um cara parecido com meleca que se apresentou a ele como Gororoba. O sujeito era tão xarope quanto o nome que tinha. Enquanto falava, ficava olhando (e desaprovando) o decote, as longas saias farfalhantes e os hot dogs da bandeja da baixinha.

__ Dama Rosada, _ disse Gororoba _ quero que saiba que também há comidas saudáveis nesta festa. Já providenciei bandejas de canapés integrais com cenoura ralada e rúcula, e outros com brotos de feijão e brócolis. E para quem preferir algo light, temos palitinhos de pepino e de salsão.

A Dama, que tinha uma saudável pele rosada e era do tipo rechonchudo, ajeitou os peitos, que ameaçavam saltar para fora do decote, sorriu gentilmente para o Gororoba e foi servir os outros convidados. Ela, definitivamente, não era adepta de palitinhos de salsão e pepino e sabia muito bem que todos na festa queriam mesmo era se esbaldar de comer coxinhas, pastéis, risoles e hot dogs.

Havia um cara magro, sorridente e falante que dançava todas e com todas. Era o Luís, o inventor do Brad, um cartão de crédito que enlouquece as mulheres. Durante toda a festa, o Brad ficou no bolso da camisa do Luís, sacudindo os bracinhos e pedindo para ser tirado dali, mas o Luís não lhe deu moleza. Sabia que se o Brad saísse, ele, Luís, ficaria depenado em pouco tempo, sem crédito na praça e (o que ele mais temia), sem crédito com as mulheres.

Outro cara, um elegante e rubicundo oficial da Marinha chamado Sven, não desgrudou da Bruna nem um minuto. Ficaram numa conversa animadíssima e, enquanto as canções do Gershvin tocavam, dançaram todas. Mais tarde, foram se refrescar na sacada e espiar o reflexo da lua no prédio envidraçado atrás da casa.

O melhor da festa agora acontecia lá fora. Os Krakoshs não podiam ser vistos, mas estavam em algum lugar do jardim, pois a brisa, em contato com seus corpos perfurados, produzia uma melodia de flautas.

Sentirilho, ser transparente como o ar, também era percebido no perfume suave que emanava do jardim, na luz etérea que ia revelando as miraculosas cores das rosas e as formas dos casais espalhados pelas sacadas da casa..

Sentirilho ia invadindo tudo e todos. Alguém anotou num papel uns versos que brotavam. Então, ouviu-se uma outra melodia, um som intrigante e hipnótico vindo do jardim. Era o Homus Melodicum num improviso a cinco vozes que fez a Paulista inteira emudecer e estremecer num arrepio.

Ninguém percebeu quando uns Os e uns Ss se enroscaram, mas muitos notaram Gororoba e a Dama Rosada bem juntinhos, rindo e se entendendo muito bem. Num canto escuro da sacada, Nara e Pedro se beijavam, mas há quem afirme que não eram eles e sim Amiox e Zibelina, que também estão apaixonados.

Sob a escada, o Anjo Extraviado adormecera abraçado à Vênus Vencedora. Enquanto ele sonhava os sonhos dos anjos, sua mão ainda guardava um dos seios redondos, de pele marmórea, da pequena deusa.

Concha Celestino
Escrevivendo - Seres Imaginários
Abril/ 2009

Um comentário:

  1. Muito legal. As referências, explícitas ou não, aos gostos dos criadores e impressões que a aturora teve sobre os mesmos ficaram claras. Mesmo não os citando ao lado de suas características, estiveram presentes nos gestos de suas criaturas

    ResponderExcluir