Primeiro Workshop do Escrevivendo

Primeiro Workshop do Escrevivendo
Foi com sucesso que a Casa Das Rosas apresentou o workshop sobre o projeto Escrevivendo. Quem foi, adorou!

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Baile

BAILE Comédia jocosa, quase prosa de um ato
Bruna Nehring 13 de Abril de 2009

O Cenário: A Casa das Rosas, gentilmente cedida para a ocasião pela Secretaria de Cultura

Personagens:
-AGÁCE - Mestre de Cerimônias
-KAREN - Coreógrafa
-ANFITRIÕES E SERES IMAGINÁRIOS CONVIDADOS
-UMA INTRUSA

AO ACENDEREM-SE AS LUZES: Agáce, o Mestre de Cerimônias, fraque completo, costas para os poucos degraus da entrada secundária, mão esquerda sobre o bronze da imponente balaustrada da escadaria, mão direita segurando uma folha de papel. Sua testa franzida denota preocupação em vista da dificuldade da tarefa. Pela lista, cada nome exercerá o direito de ser Anfitrião de um Convidado pessoal e especial, provavelmente invisível. As pessoas começam a avançar em direção a Agáce. Ele repete em voz alta o nome de cada um que se apresenta. O primeiro é o músico Júlio, Anfitrião de Homus Melodius que dirigirá a orquestra já instalada no saguão do primeiro andar. Seguem-se a poetisa Guilhermina, o poeta Luiz, o professor Benedito, e assim por diante, todos de mãos abanando, mas conversando ao seu lado com alguém que o Mestre de Cerimônias não pode ver. À chegada da Sra.Concha, verdadeira dama de gestos delicados e mãos descritivas, Agáce não percebe que, furtivamente, ela esconde, atrás de seu amplo vestido, um anjo maltrapilho de olhos tristes. É a SemHora do Carmo que, de propósito, o distrai mostrando com estardalhaço sua Dama Rosada, bibelô de rara beleza, para que Agáce a observe claramente: "a mansão deve ter obras de grande valor, mas esta é minha e estou chegando com ela”.

O cineasta Pedro, que entraria com um animal, chega sozinho como os outros; é devidamente inquirido, mas esclarece que a pequena Zibelina aparecerá só, quando e se seu Anfitrião a necessitará. Isto posto tudo parece correr muito bem até o momento em que a última Anfitriã da lista aparece, não com um, mais dois Convidados, e os dois de carne e osso. Um grandalhão em uniforme de gala da marinha e o outro, quase insignificante, num smoking Lagerfeld, de arrasar. Sem saber direito o que fazer, Agáce curva-se à única normalidade da noite e, encerrando sua tarefa, enfia a lista no bolso.

A orquestra já toca valsas, fox e tangos. Entre uma dança e outra, os Anfitriões e seus Convidados invadem a sala à direita do saguão inferior, onde grandes mesas, sob a supervisão de Sandra, oferecem a mais sensacional gororoba cujo fantástico poder transforma ingredientes, sabores, e aromas, segundo o paladar de cada conviva. Como surpresa desagradável: o preço exorbitante do champanhe, única bebida disponível. Pânico geral: despacha-se rapidissimamente o Akilah da Selda para tentar achar outras opções nas redondezas, sem sucesso, e é só a pronta intervenção do poeta Luiz, que soluciona o problema colocando a disposição de todas as senhoras, seu Convidado Brad que começa, com seu charmosíssimo sorriso internacional, a distribuição das taças, pagando do próprio bolso.

Aqui e acolá formam-se pequenos grupos animados, apresentando-se alguns, escondendo-se outros. Ós, Amiox e Krakosh fazem logo amizade, trocando seus segredinhos - e de seus anfitriões- entre si. Outros românticos namoram nos grandes terraços: mérito da poetisa Selda que, por intermédio de seus influentes amigos da Casa, conseguiu que o palacete fosse feericamente iluminado só por dentro, mantendo jardins e redondezas – inclusive a própria Avenida Paulista - às escuras, o que permite a visão clara e completa da lua e do firmamento quase ao alcance das mãos. No saguão inferior, o Sentirilho do Benedito está tentando entabular uma conversa com o CavalheirodasNuvens da Miriam, quando a Dama Rosada da DoCarmo avista o corpaço do Sven, um dos seres palpáveis da Bruna, precipitando-se ao seu encontro e querendo introduzir-se entre os botões dourados do uniforme e o calor da camiseta já suada. Ele agarra-a e a mantem quieta na sua enorme mão esquerda enquanto comenta com sua Anfitriã:
---“Não sei o que ela quer comigo, ela é tão frágil quanto atrevida. Já me perseguiu até no banheiro cor de rosa. O que é que eu faço?”

Ronaldo, o segundo convidado da Bruna, intervem rápido pegando o bibelô e, colocando-o diplomaticamente no bolso do smoking, sai vagando entre os demais, com ar de alienada indiferença.
Foi nesse exato momento que uma personagem desconhecida aparece no jardim e começa a subir a escadaria para entrar na festa. Agáce precipita-se ao seu encontro:
---“A Senhora tem convite?”
---“Não, mas vou entrar assim mesmo”
Seu tom alto e arrogante , cala a orquestra e o burburinho da festa. As pessoas começam a se perguntar: “quem é, quem será?” A poetisa Guilhermina despacha de imediato seu “Enigma”, para desvendar o caso, sem resultado. A desconhecida tenta passar pela direita do Mestre de Cerimônias que acompanha seu passo impedindo-a; ela tenta à esquerda, mas Agáce, firme, acompanha as tentativas sem abrir brechas.

Julio percebe a necessidade de ação, precipita-se escada acima para a orquestra e, numa improvisa retomada musical, levanta a batuta substituindo o seu Homus Melodius, que, pelo susto, está sendo acometido de tosse e gaguice.

Convidados e Anfitriões parados, estarrecidos, examinam a desconhecida. Karen, a coreógrafa do baile, acorre querendo intervir, sem sucesso. A voz da intrusa aumenta gritando:
---“Eu sou parte da Casa das Rosas, trouxe seres imaginários nessas salas de aula como convidada, todos tentaram imaginar o que significavam meus personagens, qual seria minha metáfora; fui tão aplaudida e meus queridos cavalheiros tão comentados, que ainda estão entre estes muros.....”
---“Ehi, ehi, Cuidado minha senhora, o único cavalheiro aqui é o meu Cavalheirodasnuvens!” brada a Miriam precipitando-se escada abaixo, mas a outra continua sem prestar-lhe atenção.
---”Os meus queridos cavalheiros estão sim aqui entres estes muros. Com eles eu preteri dois autores de fama internacional, e eu teria sido unanimidade, não fosse por causa de uma velha gringa, nariguda e metida a besta que estraçalhou com o meu estilo. Estou aqui para enfrentá-la.”

Bruna, desaparecendo atrás das enormes costas de Sven sussurra-lhe algo; ele num relâmpago entende a situação e, girando sobre si mesmo, empurra a amiga entre a parede e as costas da mulher esculpida perto da porta secundária do saguão; vendo que ela não é grande o suficiente para escondê-la, deita-se em cima das duas assumindo posição de bêbado feliz.
---“Onde está ela?” volta a berrar a desconhecida.
Agáce, sempre alerta, indica a escada do segundo piso, para que ela passe longe do esconderijo. Sven, aproveitando a trégua, e tentando mover os lábios o mínimo possível, bisbilhota: “ quem é aquela louca?”

E sua Anfitriã, quase sufocada por tamanho peso:
--- “Nada !! é uma émula de Margareth Mitchel! Um dia desse vai soltar um romance com personagens tipo ”Scarlet O'Hara e Rett Butler,” só que em alguma fazenda do Rio Grande do Sul na guerra dos Farrapos, no lugar de Tara na guerra de Secessão!” ---“E esta mulher aqui ao lado?”
---”Bah!! Paolina Borghese ou Madame de Maintenon, quem sabe...”
Passos em ritmo lento descem a escadaria. A intrusa encaminha-se desolada para a saída, sua voz alquebrada pela decepção.
---”Não achei: ela não está.”
Karen, atrás da vidraça quadriculada da biblioteca, respira aliviada. Anfitriões e Convidados voltam à dança – gafieira, samba de breque rasgado, evoluindo em franco grito de carnaval – enquanto a desconhecida, sem pisar no jardim, senta-se no último degrau, testa sobre os joelhos, mãos nos cabelos desarrumados. Imóvel e num momento de vago realismo confesso, pondera que:
---“....afinal! unanimidade menos um, não é pra qualquer um...”
Ao levantar-se para finalmente sair pelos canteiros floridos, ela suspira dramaticamente, mas em voz alta já tranquila: “Amanhã é outro dia!”

APAGAM-SE AS LUZES DA CASA DAS ROSAS
ACENDEM-SE AS DO JARDIM E DA AVENIDA PAULISTA

NOTA: Os Anfitriões que considerarem ofensivo ou inadequado o tratamento dado a seus Convidados estão autorizadosa processar o autor.

Um comentário:

  1. A intrusa poderia ser identificada como aquela que, por atitudes afetadas, teria tentado diminuir nossos criadores? Que, em momentos de deboche, tentou se colocar acima de todos, uma deusa de poder apolíneo e desenvolvedora de arte dionisíaca? Mistério que o enigma poderia ter resolvido, não acha Bruna? Ou você acha melhor não resolver determinados mistérios?

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